Título: Demissão de Lavagna pode provocar adiamento do acordo entre os dois países
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2005, Brasil, p. A3

A demissão, ontem, do ministro da Economia argentino, Roberto Lavagna, atropelou discussões no Brasil, e entre os governos brasileiro e argentino, sobre a criação de barreiras como salvaguardas no comércio entre os dois países. O temor de que o governo brasileiro aceitasse um acordo com excessiva liberdade para criação de barreiras comerciais pela Argentina levou um grupo de representantes das principais associações empresariais a reunir-se ontem com o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, para criticar os termos da proposta em negociação, comunicados ao setor privado brasileiro. Empresários e integrantes do governo acreditam que, com a saída de Lavagna, pode diminuir a pressão para adoção das salvaguardas. Segundo um dos negociadores, em reunião no dia 22, o chefe dos negociadores argentinos, Miguel Peirano, secretário de Indústria na equipe de Lavagna, havia concordado em fazer modificações na proposta argentina, para atender a preocupações do governo brasileiro, que não aceitou a criação de um mecanismo de salvaguardas unilateral ou arbitrário, como havia sido proposto por Lavagna. Diplomatas dos dois países chegaram a considera praticamente decidido o estabelecimento das salvaguardas, com mecanismos para controlar sua aplicação. Para surpresa dos brasileiros, porém, ao apresentar o texto final da proposta, na quinta-feira da semana passada, os argentinos mantiveram trechos que Peirano havia se comprometido a retirar. Ao receber do governo o texto em negociação, um empresário disse ter identificado várias "pegadinhas", itens capazes de garantir a criação de barreiras discricionárias contra o Brasil. A insistência em criar salvaguardas unilaterais foi entendida no governo brasileiro como decisão de Lavagna. Dias antes, o ministro havia ameaçado impedir a assinatura dos acordos previstos para o encontro dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, amanhã, em Puerto Iguazu, caso não se assinasse também o acordo de criação das salvaguardas, apelidadas pelos argentinos de Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC). Com a demissão de Lavagna e da equipe econômica (até a noite o governo brasileiro não sabia se Peirano também havia saído do governo), cresceu, entre os negociadores do Brasil, a expectativa de que seja possível adiar a definição sobre a criação da CAC, com salvaguardas no comércio bilateral. Ontem, durante cerca de duas horas, Ivan Ramalho e representantes dos ministérios da Fazenda e das Relações Exteriores discutiram com empresários a proposta da CAC em negociação. "Continuamos considerando a proposta um retrocesso, que fere as regras do Mercosul", relatou o coordenador da Coalizão Empresarial, Oswaldo Douat, após o encontro. "Estamos tentando evoluir para um documento que organize as ações no Mercosul e haja convicção de que vai se cumprir o que for acordado." Os empresários reclamam da existência de termos excessivamente vagos no texto que serve base para a negociação. Um dos negociadores brasileiros, ao comentar o possível acordo, deu razão aos representantes do setor privado, e acusou os argentinos de modificarem termos da proposta para alterar compromissos já aceitos por Jorge Taiana, vice-ministro argentino das Relações Exteriores. Um exemplo seria a aceitação, por parte dos argentinos, de um mecanismo de revisão, uma espécie de banca de arbitragem, a ser criada caso a salvaguarda fosse questionada pelo país afetado. Esse ponto, considerado essencial pelo Brasil para evitar medidas arbitrárias, parecia aceito pelos argentinos, mas no texto devolvido pela equipe de Taiana, na semana passada, a equipe argentina criou limites para esse tribunal de revisão: os árbitros não poderiam julgar o mérito das salvaguardas, apenas analisar se sua adoção havia seguido as etapas formais. Pelo acordo, as salvaguardas só poderiam ser criadas caso as importações do país ameaçassem os empresários nacionais de dano. Pela proposta argentina, os árbitros não poderiam avaliar se essa ameaça existe de fato, mesmo que o país afetado questionasse a decisão do parceiro. Itens aceitos pelo governo foram duramente criticados pelos empresários na reunião de ontem. Um deles é a permissão, na CAC, para que a salvaguarda seja aplicada antes mesmo do início das investigações para comprovação de dano. Como as investigações podem durar até 150 dias, o governo argentino poderá baixar medida provisória unilateral de contenção de exportações contra os exportadores brasileiros, afirmam os empresários. Os brasileiros querem, ainda, que as grandes redes de comércio, interessadas na liberalização do comércio entre os dois países, participem das discussões antes da aplicação das salvaguardas.