Título: Projeto de salvaguardas prevê cotas e proteção por até 4 anos
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2005, Brasil, p. A3

Comércio Exterior Documento do governo fornece detalhes das medidas

As salvaguardas que estão sendo negociadas entre Brasil e Argentina poderão ser aplicadas por três anos no máximo, com direito a prorrogação por mais um ano. A proteção será feita por meio de cotas tarifárias, e as regras prevêem um período de 60 dias de negociação entre os setores privados antes da aplicação das medidas. Em contrapartida, a Argentina pode ignorar esses prazos e aplicar uma medida de restrição de comércio "urgente" em "caráter provisório". Essas regras - ainda em discussão - foram encaminhadas, pelo governo brasileiro, a um número restrito de empresários na quinta-feira da semana passada à noite . Elas constam de um documento reservado, que enumera os conceitos fundamentais e os procedimentos negociados pelo Brasil com os argentinos para a Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC), nome dado pela Argentina para as salvaguardas. O Valor teve acesso ao documento. O Brasil esperava anunciar a criação desse mecanismo, amanhã, na comemoração do Dia da Amizade Brasil-Argentina. Mas a demissão do ministro da Economia da Argentina, Roberto Lavagna, ontem deixou os empresários na dúvida se o acordo será assinado ou não. Lavagna foi o idealizador das salvaguardas e apresentou o projeto ao governo brasileiro em setembro de 2004. Segundo o texto distribuído aos empresários, o objetivo da CAC é "impulsionar as cadeias produtivas do Brasil e da Argentina, em especial quando houver diferença de competitividade". O assunto foi discutido ontem à noite, em Brasília, em reunião de representantes do setor privado e funcionários do governo. Muitos setores estão descontentes com a adoção das salvaguardas e consideram "fracos" os limites estabelecidos pelo Brasil na negociação com a Argentina. A Associação Nacional dos Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) enviou um comunicado à imprensa registrando sua indignação com a medida. "É um contra-senso que o governo brasileiro aceite essa salvaguarda", disse Paulo Saab, presidente da entidade. O setor foi um dos mais atingidos pelo protecionismo da Argentina, que impôs restrições às compras de geladeiras, fogões e lava-roupas. Os empresários estão especialmente preocupados com a possibilidade de as salvaguardas gerarem desvios de comércio. A Argentina deixaria de comprar do Brasil para importar de outros países. No documento, o governo brasileiro diz que terá "especial atenção" para evitar que isso ocorra e que "poderá recomendar a revisão da medida para corrigir as distorções ou a suspensão da própria medida". O documento elaborado pelo governo brasileiro esclarece que tanto empresários brasileiros quanto argentinos poderão utilizar o mecanismo de defesa comercial. O texto também explica que o processo ocorrerá em duas etapas. A primeira fase é similar ao que já acontece hoje. Haverá uma negociação no âmbito da "comissão bilateral de promoção da integração produtiva e expansão equilibrada do comércio". Esse será o novo e extenso nome da atual comissão de monitoramento do comércio. Durante 60 dias, os setores privados dos dois países serão consultados em busca de um acordo, que poderá ser uma restrição voluntária de exportação. Pelo texto, esse acordo duraria no mínimo um ano, e poderia ser prorrogado por mais um. Caso não seja possível um entendimento, começa a segunda etapa. O mecanismo é similar ao adotado na Organização Mundial de Comércio (OMC). O processo dura cinco meses no máximo, com o prazo total da investigação entre 60 e 120 dias, prorrogáveis por mais 30, se necessário. Para iniciar a investigação, o setor privado deve entregar ao governo uma petição que conte com o apoio de empresas que representem pelo menos 50% da produção nacional. Os dados devem demonstrar que está ocorrendo um surto de importações, que prejudica a indústria. Se o governo aceitar a petição, começa a investigação. O governo do país importador apresentará o resultado de sua investigação para a comissão bilateral. Antes de qualquer medida restritiva de comércio, devem ocorrer novas conversas entre os governos e os setores privados em busca de um acordo. O prazo, no entanto, é curto: apenas 10 dias. Se falhar, as salvaguardas serão aplicadas na forma de cotas, que não podem ser inferiores a média das importações dos últimos 36 meses. A vigência máxima é de três anos, mas está prevista uma revisão no final dos primeiros dois anos. O país importador poderá ignorar todo esse trâmite e aplicar uma medida provisória, se houver uma situação emergencial de dano à sua indústria. O documento diz que essa decisão será comunicada "imediatamente" à comissão bilateral e aos setores privados. A medida de urgência só se torna "definitiva" após um exame conjunto. O documento também diz que o setor que obtiver as salvaguardas deverá um cumprir um programa de adaptação, para concorrer no mercado internacional. Só que não fica claro como ele funcionará. Segundo o texto, o programa será definido caso a caso, em discussões entre governos e setor privado. Se não for possível um acordo, o país importador definirá o programa. Está previsto um comitê de arbitragem. Após 15 dias da aplicação das salvaguardas, os prejudicados podem contestar a medida junto à comissão bilateral, que tem 30 dias para se pronunciar.