Título: "Agenda de consenso" sugere limite para gasto
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2005, Brasil, p. A4
Conjuntura Proposta de ajuste fiscal de longo prazo, de Delfim e Giambiagi, foi feita a pedido do governo
A proposta de um ajuste fiscal de longo prazo está pronta, pressupõe um superávit primário de 4,75% do Produto Interno Bruto (PIB) para os próximos dois anos, e foi formalizada num texto de autoria do deputado federal Delfim Netto (PMDB-SP) em parceria com o economista Fábio Giambiagi, do Ipea. Para se atingir essa meta, calcada na redução das despesas correntes como proporção do PIB, os autores sugerem um conjunto de quatro medidas que teriam que constar de uma emenda constitucional. Essas medidas são: aprovação, em 2006, da prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU) até 2016, com aumento gradual dos atuais 20% para 35% da receita total; alteração da emenda nº 29, da saúde, de forma que, ao invés de garantir a correção das receitas por uma proporção fixa do PIB, elas sejam reajustadas pela inflação acrescida do crescimento populacional; limitação do crescimento real da folha de salários dos três poderes em relação a 2006, por um período de dez anos, ao crescimento populacional; e adoção de um limite constitucional para os gastos correntes do governo central, excluídas as transferências para os Estados e municípios, a partir do teto de 17,4% do PIB em 2006/2007, e que seria reduzido a cada ano, e por dez anos, na base de 0,10% do PIB. Assim, chegar-se-ia em 2016 com o gasto corrente equivalente a 16,5% do PIB. Além desse bloco de medidas, o texto menciona ainda a prorrogação da CPMF por tempo indeterminado, mas com alíquota decrescente, partindo de 0,38%, em 2007, para 0,08%, em 2016. O pressuposto que alenta essa proposta - que se transformaria numa sugestão concreta do que os autores chamam de "agenda de consenso", a ser coordenada pelo presidente Lula e submetida publicamente aos principais partidos políticos - é que, implementada, ela permitirá uma significativa redução da taxa de juros, para algo como 5% reais. Essa taxa, combinada com a ação do Tesouro Nacional, produziria, no médio prazo, uma curva normal de juros e abriria espaço para a emissão maciça de papéis prefixados. Tudo dando certo, a expectativa, conforme consta do texto, é que a necessidade de superávit primário seria cadente já a partir de 2008, num ritmo de queda de 0,25% ao ano por dez anos, chegando a 2% do Produto Interno Bruto em 2016. O programa, por fim, permitiria taxa de crescimento na casa dos 4% ao ano até 2010, e de 4,5% ao ano a partir daí. A relação dívida líquida/PIB, com um superávit mais encorpado, assumiria trajetória de redução, partindo de 50,5% em 2006, para 20,8% em 2016. "Pesquisas empíricas bem conduzidas", segundo o estudo intitulado "O Brasil precisa de uma agenda de consenso", indicam que, pelo menos no Brasil, existem as seguintes ligações entre a expectativa de inflação, o superávit primário, os juros e a dívida: a expectativa de inflação depende da magnitude do superávit; a taxa de juro real depende da relação dívida/PIB e, no momento seguinte a determina; e quando a dívida chega a casa dos 55% a 56% do PIB, o mercado financeiro se estressa e exige juros maiores para financiar a dívida. Por outro lado, há um fato "puramente aritmético", assinalam os autores: o superávit primário necessário para reduzir a dívida como proporção do PIB deve ser igual ao nível da dívida, excluindo-se a base monetária (47% do PIB, hoje) multiplicado pela diferença entre o juro real (13%) e o crescimento do PIB (3%). O resultado desse "algebrismo", desconsiderando-se a existência de "esqueletos" ou financiamento via "senhoriagem", é 4,75% do PIB. Portanto, um superávit de 4,25% produzirá aumento da dívida/PIB e não permitirá juros reais de menos de 10% ao ano nem crescimento de 5 %. Os índices "ideais" de países "virtuosos", que desejam atingir grau de investimento, crescimento entre 4% a 6% ao ano, PIB per capita de US$ 10 mil , inflação entre 2% e 5%, equilíbrio externo e juros reais de 2% a 3% para títulos com prazo de 90 dias, argumentam Delfim e Giambiagi, são: carga tributária bruta da ordem de 25% a 30%, dívida líquida em torno de 30% do PIB e coeficiente dívida externa líquida/exportações de 1 ou menos. Medida por esses parâmetros, "a economia brasileira revela toda sua dificuldade, exatamente porque, durante muito tempo, temos nos recusado a cumprir as restrições referidas (que levam à solidez fiscal)", assinalam. Razão pela qual, se o país quer, ao mesmo tempo, redução dos juros e redução do superávit primário, está "apelando para a magia negra". E asseguram que "para reduzir os juros, o mais razoável é aumentar o superávit primário". Numa tendência que vem desde o Plano Real, em 2004, os gastos correntes do governo cresceram, em termos reais (usando o deflator do PIB), 8,3%, e de janeiro a setembro deste ano (tendo como deflator o IPCA médio), aumentaram a uma taxa idêntica. Enquanto isso, o investimento do governo central, que no último ano FHC foi de 0,8% do PIB, vem caindo. Na média do período 2003-2005, o governo Lula terá investido apenas 0,6% do PIB. "O gasto está aumentando, sem maiores benefícios para os mais pobres", sublinham os autores, que alertam para o risco de a situação ficar ainda pior em 2006, caso vingue a idéia de aumentar em 15% o salário mínimo. Por esse conjunto de problemas e constatações é que sugerem um programa fiscal de longo prazo, fundamentado no controle da despesa corrente, de forma que o gasto cresça abaixo do crescimento da economia, e uma meta mais ambiciosa para os próximos dois anos. Embora as condições políticas do atual governo sejam adversas, os autores acreditam que uma negociação suprapartidária dessa agenda teria uma excelente repercussão, "e seria uma demonstração de que há espaços de diálogo que podem ser aproveitados em benefício dos interesses do país." Mesmo dentro do governo, a discussão sobre esse programa é extremamente complicada. Foi o debate em torno de uma proposta fiscal de longo prazo que levou a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a considerar as idéias então colocadas como "rudimentares", dando início a uma grave crise que quase levou o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a sair do governo. O texto de Delfim e Giambiagi foi feito a pedido da área econômica, mas ainda não está claro como a discussão, agora com um documento que busca quantificar as necessidades e os efeitos das medidas, será conduzida no governo.