Título: Câmbio reduz fôlego das exportações
Autor: Álvaro Penachioni
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2005, Valor Especial / MICRO E PEQUENA EMPRESA, p. F5

Mercado Tendência é que as vendas externas fiquem ainda mais concentradas nas grandes companhias

A desvalorização do dólar frente ao real está tirando o fôlego das pequenas empresas que atuam no mercado externo. O resultado é a perda de rentabilidade, queda nas vendas, com redução ou mesmo interrupção das exportações, principalmente de produtos manufaturados. Os empresários reclamam, mas analistas do setor dizem que, sem mudanças na política cambial, ao menos no curto prazo, esses efeitos negativos devem se acentuar em 2006, com reflexos no saldo da balança comercial. Entre os setores mais prejudicados pela apreciação cambial encontram-se os de calçados, têxteis e móveis, cujo ciclo de encomenda, produção e embarque é de curto prazo: até 120 dias. "As pequenas e médias empresas são as mais atingidas pela desvalorização cambial", diz José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Ele observa que se tratam de produtos com mercados muito competitivos lá fora, e uma eventual interrupção ou não cumprimento dos contratos resulta na perda de confiança do importador no exportador brasileiro. Como reflexo da valorização cambial, desde março o fluxo de empresas exportadoras passou a ser negativo. De janeiro a setembro, comparado com igual período do ano passado, 610 empresas deixaram de exportar, o pior resultado observado até agora, revelam dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento (MDIC), organizados pela AEB. A quantidade de empresas exportadoras caiu de 17.143 para 16.533, das quais 9.372 (56,59%) com vendas até US$ 200 mil e 5.878 (35,55%) até US$ 6 milhões. "A tendência é que esse movimento se agrave, tirando do mercado as pequenas empresas, as que mais empregam, e aumente ainda mais a concentração das exportações", diz Castro. O setor calçadista sente os efeitos da valorização do real. Segundo Ricardo Wirth, vice-presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), deixarão de ser exportados, este ano, US$ 200 milhões, em razão do câmbio apreciado, que, nos seus cálculos, estaria mais adequado acima de R$ 2,60. Com isso, as indústrias devem desempregar 20 mil pessoas, 18 mil somente no Rio Grande do Sul, o principal fabricante do país. O executivo explica que a queda nas exportações deve-se ao fato de os contratos terem sido firmados, no primeiro semestre, com o câmbio a R$ 2,55, mas nos embarques a cotação do dólar está ao redor de R$ 2,20. "A diferença está sendo bancada pelas empresas", diz. Como não deverá haver mudança significativa da política cambial em 2006, "dificilmente vamos repetir o resultado de US$ 1,5 bilhão nas exportações que deveremos alcançar este ano", adianta. A valorização do real é apontada também como o principal obstáculo ao crescimento das exportações de manufaturados por uma recente pesquisa realizada pelo Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) - de onde saem mais de um terço das exportações do país -, junto a 841 empresas, sendo 630 (75%) exportadoras. Neste universo, 46% delas defendem a necessidade de desvalorizar a moeda nacional para tornar as vendas externas mais competitivas, 38% consideram necessário desonerar "completamente" as exportações, enquanto 37% pedem a redução da burocracia estatal ligada ao setor exportador. A pesquisa do Ciesp revela ainda que as empresas reagiram à valorização excessiva do real. Para 52% foi preciso reduzir o volume exportado, devido à queda na margem de lucro. Outras 27%, no entanto, decidiram manter as vendas para não perder mercados conquistados, mesmo perdendo lucratividade. Somente 10% não diminuíram as exportações por terem de honrar os contratos assumidos, mas não descartam que poderão fazê-lo, caso o câmbio continue desfavorável. A questão cambial, de fato, é um fator de competitividade e sempre constitui uma ameaça às empresas de pequeno porte que conseguiram conquistar mercados no exterior, avalia Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). "A valorização do câmbio afeta diretamente as pequenas empresas, que não têm poder de barganha para competir num cenário adverso", diz. Pesquisa realizada para o Sebrae, a Funcex constatou que o número de micro e pequenas empresas (MPEs) exportadoras aumentou de 5.854 em 1998 para 7.443 em 2004, mas a participação delas no total das exportações caiu de 2,6% para 2,3% no período. O levantamento revela a alta concentração das exportações: nada menos que 86,9% das vendas das médias e grandes empresas ficaram a cargo de um seleto grupo de 458 empresas (11% do total), que exportaram, individualmente, mais de US$ 20 milhões em 2004, quando outras 3.356 empresas (82%) responderam por um montante inferior a US$ 10 milhões, representando apenas 7,7% do total comercializado pelo segmento. Em 2004, o país contava com de 17.963 empresas exportadoras, sendo que cerca de 85% dos embarques (US$ 81,8 bilhões) foram efetuados por empresas industriais. As MPEs representaram 62,1% do total de indústrias, mas responderam por apenas 2,3% da receita de US$ 96,5 bilhões. O quadro é distinto em países como Itália, Dinamarca, Taiwan, China e Coréia do Sul, entre outros, onde a participação das MPEs nas vendas externas supera 40%, destaca o estudo da Funcex.