Título: "Não quero misericórdia, quero justiça"
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2005, Política, p. A8

Ao longo de quase 50 minutos, o deputado José Dirceu (PT-SP) fez um discurso de defesa no qual admitia a queda, mas deixava claro que se manteria ativo na política. "Qualquer que seja o resultado, vou continuar lutando para provar a minha inocência até o fim, em todas as instâncias", afirmou. À exceção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, Dirceu fez um discurso sem nenhuma concessão: assegurou que não houve mensalão, não foram feitas alianças espúrias, o governo nunca montou um esquema de corrupção, e, por fim, eximiu-se de qualquer responsabilidade: "Não me omiti; não prevariquei na Casa Civil". A única auto-crítica feita por ele foi não ter apoiado a reforma política enquanto estava no governo. "Me penitencio por não ter me empenhado". José Dirceu disse que a Câmara, ao julgá-lo, também se colocava em julgamento. Insistiu que jamais participou de qualquer negociação "escusa" para aprovar projetos de interesse do governo. As alianças firmadas com PP, PL e PTB, enfatizou, foram conduzidas de maneira "legítima", disse. "Não é verdade que houve barganha, compra de votos", enfatizou. Sobre o mensalão, afirmou que não há nenhuma prova de que houve recursos de origem ilícita. Argumentou que a fonte dos recursos eram empréstimos bancários feitos para o PT. O ex-ministro explicou ainda que entre as suas atribuições na Casa Civil estava, sim, a de receber empresários como coordenador da Sala de Investimentos e de Infra-estrutura do governo. Foi por isso, justificou, que recebeu dirigentes dos bancos Rural e BMG e Espírito Santo, levados pelo empresário Marcos Valério Fernandes de Souza. "Não posso ser cassado porque fui o presidente do PT. Não posso ser cassado porque coordenei a candidatura do presidente Lula. Não posso ser cassado porque fui ministro da Casa Civil, porque fui o todo-poderoso", disse. "Não quero misericórdia. Não quero clemência. Quero justiça", afirmou. Dirceu não fez afagos aos partidos dos parlamentares envolvidos na crise para garantir simpatias na hora do voto. Em contrapartida, elogiou Lula - "é o melhor governo dos últimos 20 anos" - e o PT, "um partido profundamente democrático". O petista rebateu as críticas de que é autoritário e exercia com mão de ferro o comando do partido. "Nâo é verdade que eu sou stalinista", rebateu. No entanto, reconheceu erros cometidos por ex-dirigentes do PT e pelos quais o próprio partido já havia se desculpado publicamente. Negou enfaticamente, no entanto, que tenha tido qualquer participação nesses erros. "Não aceito ser responsabilizado por decisões do PT. Não participei das decisões da direção do PT. Não vou assumir aquilo que não fiz", disse, depois de fazer a ressalva de não ser um cidadão "de negar o que praticou". Durante todo o processo, o ex-ministro sustentou a tese de que não poderia ser acusado de quebrar o decoro porque exercia um cargo no primeiro escalão. Essa tese foi derrubada por sete votos a três no Supremo Tribunal Federal. Dirceu admitiu que existe corrupção na administração pública federal "e é preciso combatê-la". Enfatizou, porém, que sempre encaminhou todas as denúncias ao Ministério Público e à Corregedoria Geral da União quando estava no ministério. "Em todas as funções que desempenhei, combati a corrupção", sentenciou. "Não renunciei ao meu mandato porque, se o fizesse, não teria coragem de olhar para cada um de vocês", disse Dirceu, ao iniciar o discurso. "Fui transformado, da noite para o dia, em chefe do mensalão, em bandido, no maior corrupto do país", protestou o ex-ministro-chefe da Casa Civil. "Eu sou um sobrevivente. Não tenho valor especial próprio. Tudo o que eu sei, aprendi em diferentes fases do nosso país. Por razões da vida, não morri em combate, nunca fiquei desaparecido. Cheguei até aqui graças ao nosso povo", disse. O deputado fez questão de defender toda a sua batalha jurídica para prorrogar o desenrolar de seu processo no Congresso. O petista recorreu mais de dez vezes ao Supremo Tribunal Federal (STF), à Comissão de Constituição de Justiça da Câmara (CCJ) e ao Conselho de Ética. "Quando somos eleitos, temos a obrigação de ter compromisso com a Constituição desse país. Quando apelei ao Supremo ou à CCJ, o fiz na função que todos nós temos de defender os direitos individuais", justificou. E completou: "Tenho de ter o direito à presunção da inocência e não da culpa, como aconteceu comigo". Dessa forma, o deputado José Dirceu (PT-SP) pediu aos colegas para rejeitarem o relatório do deputado Júlio Delgado (PSB-MG) que pede sua cassação. Em diversos momentos, arrancou aplausos dos parlamentares presentes.