Título: Supremo evita confronto com o Legislativo
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2005, Política, p. A8

Crise Jobim defende-se da acusação de parcialidade no julgamento: "Hoje, os idiotas perderam a modéstia"

O Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou, ontem, a Câmara dos Deputados a votar a cassação do mandato do deputado José Dirceu (PT-SP). A decisão foi tomada após duas votações entre os onze ministros do STF e deu importantes sinalizações ao Congresso Nacional no plano jurídico e político. No plano jurídico, a maioria dos ministros do STF concluiu que o Congresso deve respeitar o direito de ampla defesa dos acusados mesmo em seus processos internos, como o de cassação do mandato. Os acusados devem ter a oportunidade de responder a cada uma das alegações, não importa qual a instância de Poder, enfatizou o ministro Celso de Mello. No campo político, o STF adotou, ontem, uma "solução média", com a qual evitou maiores conflitos com o Legislativo. O tribunal não chegou a anular o relatório que pediu a cassação de Dirceu, nem deu ampla vitória aos parlamentares que queriam a manutenção total do relatório. Chegou-se a uma solução mais consensual com a Câmara dos Deputados: retirar do relatório o depoimento da presidente do Banco Rural, Kátia Rabelo - usado contra Dirceu - e permitir, com isso, a votação sobre a cassação de seu mandato no plenário da Câmara. Foram realizadas duas votações para se chegar a este resultado e, em ambas, o placar foi apertadíssimo: seis votos a cinco. Na primeira, seis ministros do STF concluíram que Dirceu não teve a oportunidade de se defender contra testemunhas utilizadas pela acusação. Sepúlveda Pertence explicou que Kátia Rabelo depôs em 22 de setembro e a última testemunha favorável ao petista (o escritor Fernando Moraes) foi ouvida antes, em 14 de setembro. Segundo Pertence, o Conselho de Ética sugeriu datas aos depoimentos das testemunhas de defesa anteriores às de acusação. "A nulidade, pois, é chapada", reiterou. Os ministros que concluíram que Dirceu não teve a chance de se defender do depoimento de Kátia divergiram em apenas um ponto. Enquanto o ministro Cezar Peluso queria a simples retirada do depoimento, Pertence e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello, Eros Grau, e o presidente da Corte, Nelson Jobim, queriam a anulação do relatório para dar a Dirceu a oportunidade de contraditar o depoimento da banqueira e voltar o processo meses atrás, o que jogaria a votação da cassação do mandato para 2006. Outros cinco ministros (Carlos Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Carlos Velloso) entenderam que o STF não pode interferir em processos internos do Congresso e, por isso, negaram o recurso de Dirceu. Como houve divergência entre os seis votos vencedores, teve início uma nova votação. Nela, os cinco ministros derrotados na primeira votação se juntaram a Peluso. Com isso, o placar final ficou favorável à retirada do depoimento da presidente do Banco Rural do relatório e à posterior votação da cassação de Dirceu. O advogado do deputado petista, José Luis Oliveira Lima, disse que iria recorrer à Câmara para que fosse publicado um novo relatório sem o depoimento de Kátia. Com isso, a votação da cassação do mandato de Dirceu não poderia ser realizada na noite de ontem. "Mais uma vez o STF entendeu que o direito de defesa foi violado", justificou Oliveira Lima. Mas o presidente do Supremo, Nelson Jobim, explicou, logo depois do fim do julgamento, às 16h, que bastaria a leitura do novo relatório para dar início à votação. "A sessão poderá se realizar, mas o que não pode na sessão se realizar é a leitura das partes do relatório que fazem referência ao depoimento da senhora Kátia Rabelo", disse Jobim. "Basta a leitura", enfatizou o presidente do STF. O julgamento foi realizado em tom de desabafo. Sepúlveda Pertence disse que viveu um "inferno astral" ao ficar doente, na semana passada, e, com isso, perder o início do julgamento. "Me tornei o foco das expectativas - melhor diria, das exigências raivosas deste final de julgamento, que certa mídia se vem acostumando a instilar com presunção crescente." Pertence criticou o fato de uma revista ter sugerido que ele faltou ao início do julgamento para favorecer o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, um amigo de Pertence e de Dirceu. "Sequer me pouparam da dúvida de que, de fato, estivesse doente, porque - chegou-se a sugerir - a hora de minha doença anunciada teria sido conveniente ao amigo de um amigo meu", disse o ministro. "Tivessem razão alguns foliculários (maus jornalistas) de leviana presunção, seria indevido o voto que me cabe proferir", completou Pertence. Jobim aproveitou o desabafo do Pertence para contestar às críticas que sofreu nos jornais na última semana. Para ele, os jornalistas que ouviram juristas sobre o caso Dirceu, agiram de boa fé. Mas os "juristas de ocasião" que criticaram a condução do julgamento por Jobim agiram, segundo ele, de má fé. Jobim explicou que o próprio regimento do STF prevê a condução dos julgamentos pelo seu presidente. "Hoje, os idiotas perderam a modéstia", disse Jobim, citando o dramaturgo Nelson Rodrigues.