Título: Dirceu obtém ajuda de ACM, Sarney, Jader e do Planalto, mas é cassado
Autor: Maria Lúcia Delgado e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2005, Política, p. A9

Crise Quórum alto prejudicou estratégia de defesa do petista e encerrou batalha jurídica de quase 6 meses

Apesar da ampla articulação de última hora, que envolveu setores do governo e da oposição, a Câmara dos Deputados cassou ontem o mandato do deputado e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu (PT-SP). À 0h02 de hoje haviam sido apurados 257 votos sim, o que garantiu a cassação de Dirceu, recebida em silêncio pelo plenário. O resultado foi favorecido pelo alto quórum, com 495 deputados. A avaliação de Dirceu e seus aliados é que a salvação só seria possível com um quórum baixo, em torno de 420 parlamentares. Já em seu discurso, o ex-ministro deixava no ar o tom da despedida. Com o resultado, o deputado terá seus direitos políticos suspensos por oito anos. Aos 59 anos, o deputado só poderá vir a disputar novamente a eleição 2016, quando terá 70 anos. No meio da tarde de ontem, pela primeira vez após 110 dias após a instauração do processo de cassação no Conselho de Ética, José Dirceu expressou a colegas o sentimento de que poderia ser poupado, em telefonemas e conversas no seu gabinete. Ele entrou às 19h40 no plenário com essa crença. A sessão extraordinária para apreciar o processo de cassação foi aberta sob clima de suspense. Os mais experientes parlamentares consideravam a votação apertada. A esperança de Dirceu começou a se desfazer quando, paulatinamente, uma avalanche de deputados começou a registrar presença. O peso da opinião pública por uma resposta do Congresso à crise política estaria sendo decisivo na postura dos parlamentares. Os deputados comentavam nos corredores a possível manchete dos jornais no dia seguinte, caso Dirceu fosse absolvido: " PT e mensalistas livram Dirceu da cassação " . " Seria um desastre para o Congresso " , emendavam os parlamentares, preocupados com a própria reeleição em 2006. A desmoralização do Parlamento tinha ficado clara no dia anterior, quando José Dirceu, ao sair do plenário, recebeu " bengaladas " de um cidadão de 67 anos, que circulava na Casa. Um claro retrato da reação irada do povo contra o Congresso. Em caso de absolvição de Dirceu, brincava um deputado, " serão 513 bengaladas " . Pelo mapeamento feito até ontem à tarde por petistas e aliados de Dirceu, a tendência mais provável era a da cassação do mandato. Ele teria entre 240 a 250 votos favoráveis, num quadro muito otimista. Os petistas mais realistas, escaldados com o resultado nefasto da eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara, apostavam que, garantidos mesmo, só 200 votos. Na última hora, dirigentes do PTB começaram a telefonar para parlamentares da bancada e solicitar a presença em plenário, prejudicando o cenário favorável a Dirceu. A crise política e a queda do ex-ministro do governo foi provocada pelas denúncias do deputado Roberto Jefferson, ex-presidente do PTB, da existência do esquema do mensalão. A orientação aos aliados era para que os deputados se ausentassem do plenário. O ex-ministro e seus aliados consideravam que a decisão no plenário dependeria do PMDB. A aposta era que pelo menos 30 pemedebistas votariam contra a cassação. O trabalho pesado do ex-presidente José Sarney (PMDB-AP) e da senadora Roseana Sarney (PFL-MA) foram relevantes e conquistaram, conforme o mapa petista, 10 votos no PSDB e 10 no PFL. " A carne de muitos é fraca " , brincou um oposicionista. O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) também atuou discretamente nesse placar, para pagar uma antiga dívida com Dirceu. O ex-ministro ajudou a poupar ACM da cassação no episódio da violação do painel eletrônico na cassação do senador Luiz Estevão. Outro que já viu a cassação de perto, o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) agiu como aliado, convencido de que o processo é exclusivamente político. Do Palácio do Planalto veio ainda um vento forte: do vice-presidente José Alencar, que apoiou explicitamente o ex-ministro. " Isso sensibilizou gente do PL " , garantiu um petista envolvido na operação de salvamento. O PL daria 28 votos a Dirceu; o PSB, 21; o PDT, 2; o PPS, 2; o P-SOL, 1; o PP, 34; o PTB, 15. O ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti (PP-PE), que renunciou para escapar da cassação, circulava ontem pelos corredores pedindo por Dirceu. Do Paraná, recuperando-se de uma cirurgia, o líder do PP; José Janene, também atuava em favor do ex-ministro que articulou a aliança com o partido e o privilegiou com cargos. O tempo ajudou José Dirceu. Ao longo de quase quatro meses, a disputa política entre PT e PSDB acirrou-se. Houve tropeços legais inegáveis no Conselho de Ética da Câmara, o que levou o ex-ministro a obter vitórias no Supremo Tribunal Federal (STF). Pelo menos para o PT e a militância partidária, o quadro revelou que Dirceu era claramente vítima no jogo da disputa política de 2006. Nesse período, Dirceu conseguiu reaglutinar o PT ao obter, por exemplo, três manifestações a seu favor de intelectuais, juristas e sindicalistas de peso. Os ministros Nelson Machado (Previdência Social), Jaques Wagner (Relações Institucionais), Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) e Marco Aurélio Garcia (Assessoria Especial da Presidência) estiveram presentes nos atos pró-Dirceu. Essa reaproximação do ex-ministro com a militância é que teria levado o Palácio do Planalto, na última hora, a auxiliá-lo, muito discretamente, a cabalar votos. Não que o governo tivesse decidido entrar em campo para salvar Dirceu. Ao contrário. Ao perceber que o ex-ministro teria alguma chance, tratou de dar uma espécie de satisfação ao PT e à figura política representada por Dirceu. " Esse homem trabalhou praticamente sozinho. O Palácio não ajudou em nada " , definiu um aliado do ex-ministro. Teria pesado, ainda, a obstinação de guerrilheiro do petista, que comoveu alguns. A coesão do PT em favor de Dirceu foi causada sobretudo pela simbologia que a cassação de seus um dos maiores líderes políticos teria para o futuro da legenda. A conclusão no Congresso é que, se sobrevivesse, Dirceu deveria isso basicamente a si mesmo. O efeito político da salvação do petista, no entanto, poderia custar caro ao Congresso. " Para a Casa seria um desastre absoluto " , concluiu o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP). Entre os aliados dispostos a salvar Dirceu, a avaliação era que ao longo do processo e da crise política não apareceram provas concretas de que ele teria cometido tráfico de influência ou que estivesse envolvido em esquemas de corrupção. " Sim, ele montou um núcleo de poder ao seu lado e no PT que está hoje na porta da delegacia. José Dirceu tem responsabilidade política pela crise que está ai, por suas condutas e alianças. Mas não se pode dizer que é corrupto, que quebrou o decoro " , confidenciou um petista que teria, agora, razões de sobra para se vingar do tão poderoso ministro da Casa Civil do governo Lula. Mas não optou pela revanche.