Título: Mundo ignora aquecimento global
Autor: J. Bradford DeLong
Fonte: Valor Econômico, 01/12/2005, Opinião, p. A15

Tratado de Kyoto significa muito sofrimento para pouco ganho de curto prazo

OTratado de Kyoto sobre o controle das mudanças climáticas foi, como definiu o professor de Harvard Rob Stavins, "pouco demais, rápido demais". Por um lado, por cobrir apenas os países projetados para emitir praticamente metade das emissões de gás estufa do mundo até meados do século, não representou uma salvaguarda eficaz contra os perigos do aquecimento global. Por outro lado, por requerer cortes de curto prazo significativos e caros nas emissões dos países industrializados, ele ameaçava impor enormes custos imediatos sobre as economias americanas, européias e japonesas. Resumindo, o acordo de Kyoto significa muito sofrimento de curto prazo para pouco ganho de curto prazo. A União Européia e os economistas americanos no governo Clinton defenderam a aprovação do Tratado de Kyoto apenas criando modelos para algo que não era o Tratado de Kyoto. Eles projetaram que os países em desenvolvimento ingressariam na estrutura do Kyoto em algum momento, e que negociariam os seus direitos de emissão de CO2 e outros gases de efeito estufa para os Estados Unidos e para a Europa em troca de ajuda para desenvolvimento. Depois de todos esses anos, porém, ainda não conheci alguém que saiba o que eles estão falando sobre quem esteja preparado para defender o Tratado de Kyoto como uma política pública global substantiva. "Foi uma maneira de iniciar o processo" em torno da mudança climática, dizem alguns. "Foi uma maneira de acordar o mundo para a gravidade do problema", dizem outros. Nenhuma destas interpretações permite que os que negociaram e assinaram o Tratado de Kyoto sejam vistos como pessoas que teriam prestado um bom serviço ao mundo. É claro, o mundo foi servido de forma muito pior desde então. O presidente George W. Bush colocou-se ao lado de seu vice-presidente Dick Cheney ao negar que sequer exista um problema do aquecimento global (seu secretário do Tesouro, Paul O'Neill, e seu administrador da Agência de Proteção Ambiental, Christine Whitman, discordaram). Isso provavelmente custou ao mundo uma década de tempo perdido para desenvolver uma política para equacionar o problema, especialmente considerando-se que a inação intencional provavelmente persistirá até o fim do mandato de Bush. As cartas políticas, porém, serão embaralhadas de novo, e haverá um novo acordo sobre aquecimento global assim que a América eleger seu próximo presidente em novembro de 2008. Até 2009, os EUA poderão ter um Departamento de Estado disposto a se manifestar de novo. A menos que sejamos extraordinariamente afortunados e sejamos informados de que os climatologistas tenham deixado de notar alguns canais extremamente importantes de seqüestro de carbono, os modelos que prevêem aquecimento global ainda estarão sombriamente corretos em 2009. Quando chegar a hora de rever as políticas internacionais sobre o aquecimento global, duas coisas devem acontecer. Primeira, o núcleo do mundo industrial precisa criar incentivos para que o mundo em desenvolvimento se industrialize ao longo de uma trilha ambientalmente amigável e com baixos níveis de CO2 e CH4. O lento aumento das emissões de gases de efeito estufa em economias em crescimento acelerado precisa ser acompanhado por promessas confiáveis de transferência de quantidades maciças de assistência para as tarefas hercúleas de industrialização, educação e urbanização enfrentadas pela China, Índia, México, Brasil e muitos outros países em desenvolvimento. Segunda, o núcleo industrial do mundo precisa criar incentivos para que os seus setores energéticos assumam os investimentos em novas tecnologias que nos remetam, até meados do século, a uma estrutura econômica que tenha baixos níveis de emissões de carbono e altos níveis de seqüestro de carbono. Oferecer os incentivos apropriados para pesquisa e desenvolvimento eficazes não será fácil. Os programas públicos funcionam com eficácia menor quando o melhor caminho rumo à meta - neste caso, as mais promissoras tecnologias de energia pós-carvão - é incerto. É difícil estimular a pesquisa e o desenvolvimento privados quando os investidores suspeitam que o sucesso poderá fazer o fruto do seu trabalho ser levado por alguma forma de domínio eminente e usado mundo afora com pouca remuneração. O mundo poderia continuar fechando os seus olhos para o aquecimento global e torcer pelo melhor: um clima ligeiramente mais quente que gera tantos vencedores (nas pradarias siberianas, do norte europeu e canadenses) como perdedores (nas regiões já quentes que se tornam mais quentes e secas), e que a corrente do Golfo continue aquecendo a Europa, que as estações chuvosas não sejam prejudicadas e que o delta do Ganges não seja submerso por tufões mais possantes. Ou talvez estejamos na esperança de que nós, cujos interesses são levados em conta quando decisões importantes são tomadas, não nos transformemos nos que estão entre os maiores perdedores. Talvez continuaremos a cerrar os nossos olhos. As nossas chances de garantir um mundo mais sustentável seriam maiores, porém, se não tivéssemos permitido ser cegados durante a década passada pela combinação de acrobacias em relações públicas conhecida como o Tratado de Kyoto e a idiotice de sempre conhecida como a administração Bush.