Título: Tendência de queda do PIB deve se manter mesmo após revisão
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2005, Brasil, p. A4

Conjuntura Analistas reconhecem problemas no cálculo do PIB, mas apontam outros indicadores de desaceleração

A queda de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre deverá ser revisada. Provavelmente, alguns trimestres a frente, ela será recalculada e dará lugar a uma retração um pouco mais suave. A revisão, contudo, não vai mudar o fato de que a economia brasileira desacelerou fortemente ao longo do ano. O mix de política econômica com juros altos e câmbio depreciado, mais a crise política, derrubou a taxa de crescimento do PIB brasileiro pela metade. Depois de encerrar 2004 com alta de 4,9%, ele caminha para fechar 2005 a um ritmo mais próximo de 2,5%. Diferentes analistas econômicos estão convencidos de que foi essa conjugação de fatores que afetou o desempenho da economia. A metodologia de cálculo do IBGE - apontada por membros da equipe econômica como responsável pela queda "superestimada" do terceiro trimestre - tem falhas, dizem os mesmos economistas. Mas a queda é real e a desaceleração é corroborada por outros indicadores de nível de atividade. As vendas industriais, medidas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), caíram 0,66% no terceiro trimestre em relação ao segundo e acumulam alta de 2,93% até setembro. Percentual idêntico ao do PIB industrial. As principais críticas feitas à metodologia do IBGE estão concentradas no cálculo do PIB agrícola e na forma de dessazonalizar os resultados. O ajuste sazonal tem efeitos mais fortes (e preocupantes, para alguns) sobre os dados industriais do que sobre as contas da agricultura. Os principais "problemas", resumem, acontecem nas comparações trimestrais e não quando se olha para dados mais longos (anuais, por exemplo). Mas, para quem precisa calibrar a política monetária, o curto prazo é fundamental. A economista Maria Cristina Pinotti, junto com o professor Afonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, vem olhando com duplo cuidado os dados da produção industrial do IBGE desde o início de 2004. A partir do primeiro trimestre daquele ano, o instituto incorporou às contas do PIB a nova pesquisa industrial. Isso foi feito, no entanto, sem uma série suficientemente longa (para trás) que permitisse um ajuste sazonal eficiente na avaliação dos dois economistas. "Novos setores e produtos foram incorporados, mas eles continuaram sendo ajustados pela velha sazonalidade", explica Maria Cristina. "Correção de dados é normal, ocorre em todos os países, mas aqui estamos tendo revisões mais acentuadas do que seria normal", avalia a economista. Em setembro, a A. C. Pastore & Associados fez um estudo mostrando o número de revisões feitas pelo IBGE. Na primeira divulgação do PIB referente ao primeiro trimestre de 2004, o IBGE registrou uma taxa anualizada de 6,5% na indústria. Ela foi revista várias vezes. Na revisão de novembro de 2004, esse número havia caído para menos de 4,5%. Depois ele voltou a subir e ficou em 7% ao ano na estimativa de agosto passado. Para Maria Cristina e também para o economista Celso Toledo, da MCM Consultores, o PIB do segundo trimestre veio fora do lugar. E ele já foi revisado pelo IBGE. Na primeira divulgação (em agosto passado), o instituto informou que a economia cresceu 1,4% em relação ao primeiro trimestre. Nos dados divulgados na semana passada, ele foi recalculado para 1,1%. "Outros indicadores já mostravam desaceleração e a análise dos diferentes componentes do PIB mostra o descompasso entre alguns deles", observa Toledo. No segundo trimestre, a produção industrial cresceu 1,4% ante o primeiro, período em que o consumo das famílias aumentou 0,9%. No terceiro trimestre, a produção caiu 1,2%, enquanto a demanda das famílias aumentou 0,8%. Olhando para os componentes da demanda e da oferta, Toledo diz que fica claro que o terceiro trimestre foi um período de ajuste de estoques. "Essa leitura do BC está correta", pondera. "Mas não dá para dizer que a taxa de juros não tem nada a ver com a queda da economia", acrescenta. Os dados da agricultura, diz Sérgio Vale, economista da MB Associados, surpreenderam não apenas no terceiro trimestre. A principal surpresa veio antes. O setor terminou o primeiro semestre com crescimento de 4% em relação ao ano passado e no segundo trimestre - quando é computada a safra da soja - o indicador cresceu quando todos esperavam uma queda. "A quebra da safra da soja não apareceu no PIB", observa Vale. A queda do terceiro trimestre foi atribuída aos maus resultados de café, trigo e laranja. "Mas essas culturas têm menos peso do que a da soja", observa o economista. Até agora, o PIB agrícola acumula, nas contas do IBGE, um crescimento de 1,5% até setembro. Pelas estimativas do mesmo instituto, a safra agrícola vai encerrar o ano com uma queda de 5,5% em relação a 2004, segundo o último dado do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola. Ou seja: mais um descompasso de indicadores. Medir agricultura é difícil em qualquer país do mundo. As péssimas condições do IBGE (orçamento reduzido, falta de pessoal, etc) pioram essa situação, observa Fernando Montero, economista-chefe da corretora Convenção. O problema, pondera ele, é como distribuir a produção ao longo do ano. "Você planta a soja em setembro e outubro e colhe a partir de abril. Quando você computa essa atividade no PIB?", pergunta ele. Embora sejam normais - e acabem ajustadas em períodos mais longos - as revisões de dados do IBGE e mesmo de outras instituições criam um problema para a gestão de política monetária e também para as estratégias empresariais. Na primeira divulgação do PIB do segundo trimestre, o Brasil estava crescendo a um ritmo de 5,7% ao ano, superior ao PIB potencial do país. Na revisão deste dado, o crescimento anualizado caiu para 4,5%. E talvez ainda caia mais. Menos acelerado e, portanto, menos compatível com a política monetária do BC.