Título: Superávit mantém tensão entre Lula e Palocci
Autor: Cristiano Romero e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2005, Política, p. A7

Crise Pressões por elevação de gastos em 2006 continuam a incomodar ministro da Fazenda

O drama do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, continua. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez chegar ao PT e aos outros ministros do governo que, como saldo da crise Dilma-Palocci, ordenou ao ministro flexibilizar a política econômica. A flexibilização não representaria, por ora, a mudança dos pontos principais do tripé dessa política (superávit primário das contas públicas, câmbio flutuante e regime de metas de inflação), mas uma "inflexão", como gostam de dizer ministros e parlamentares petistas que conversam com o presidente sobre o assunto. Essa inflexão prevê o cumprimento estrito, a partir de agora - para 2005, a situação já está dada -, do superávit primário de 4,25% do PIB. "Lula acertou isso com Palocci. O ministro concordou e vai flexibilizar a política econômica, trazendo o superávit para a meta oficial. Vai fazer isso sem anunciar", revelou um amigo do presidente que teve papel central nas tentativas para contornar a crise Dilma-Palocci. Esta versão foi confirmada por dois parlamentares também muito próximos de Lula. Senador Aloizio Mercadante (PT-SP), escolhido pelo presidente para a eventualidade da substituição do ministro da Fazenda, tem dito a interlocutores no Congresso que a política econômica será efetivamente flexibilizada. Palocci não aceita isso e, segundo apurou o Valor, teria deixado claro, nas conversas recentes que teve com o presidente, que, se a política econômica mudar, ele deixará o governo. Nesse debate, não há espaço para sutilezas. Para o ministro da Fazenda, trabalhar neste momento com a meta oficial de superávit fiscal já significa mudar a política econômica. Isso porque a meta de 4,25% do PIB é considerada insuficiente, por ele e por sua equipe, para a atual conjuntura econômica. "Ele não vai mudar nem flexibilizar", assegura uma fonte bem informada do governo. Por causa do aumento dos juros, no fim do ano passado e início de 2005, a dívida pública e a despesa com juros cresceram, interrompendo o processo de queda da relação dívida/PIB. Este é o principal indicador de solvência das contas públicas. Se ele não cai ou estabiliza, o Banco Central tem dificuldades para reduzir as taxas de juros, uma vez que o mercado, para financiar o governo, exige juros mais elevados. Com a ajuda do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, Palocci explicou a Lula que um superávit primário maior agora facilitaria a queda dos juros e ajudaria, portanto, a economia a entrar em 2006 crescendo de forma mais acelerada. A aposta do ministro é que, em 2006, o PIB expandirá 5%. Palocci explicou também ao presidente que, neste ano, o superávit, que até outubro estava acumulado em 5,9% do PIB, fechará bem acima da meta - provavelmente, em 4,7% do PIB ou mais. Lula aceitou as explicações, mas, como se elas não tivessem existido, disse a alguns ministros, entre eles, Dilma Roussef, da Casa Civil, que Palocci concordou em executar o superávit menor. "Com ele ali, não muda", assegura um assessor graduado. A pressão sobre Palocci é grande e continua forte, mesmo depois da aparente superação da recente crise, e se acentuou após a divulgação do resultado negativo do Produto Interno Bruto (PIB) do último trimestre, que caiu 1,2%. Durante os embates entre o ministro e a chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, um amigo petista do presidente, preocupado com a escalada de desentendimentos e seus efeitos sobre a governabilidade, o procurou para sugerir que ele interferisse na briga e preservasse Palocci. "Você acha que o Paloccinho é flor que se cheire? Todo dia eu tenho que agüentar ministro reclamando da falta de liberação de recursos", reagiu o presidente, segundo fonte que presenciou a conversa. O fato é que a relação entre Lula e seu ministro da Fazenda não é mais a mesma. O apoio incondicional do presidente já não existe mais. Palocci se deu conta disso já na primeira conversa que teve com Lula, após a explosiva entrevista em que Dilma classificou de "rudimentar" a política econômica e cobrava a execução do superávit de 4,25% previsto no Orçamento. Com habilidade, o ministro da Fazenda começou dizendo que se sua permanência significasse algum problema para o governo e o presidente, não teria nenhuma dificuldade em deixar o cargo. Palocci, aparentemente, referia-se às investigações da CPI dos Bingos sobre tráfico de influência, no governo federal, praticados por alguns de seus principais auxiliares e amigos à época em que comandava a prefeitura de Ribeirão Preto (SP). Em seguida, o ministro foi direto ao ponto que o interessava: ele era ministro da política econômica em execução atualmente e de nenhuma outra. Esperava a solidariedade plena, cabal de Lula, como ocorrera tantas outras vezes no passado. Em vez disso, o presidente, mesmo reafirmando que ele era insubstituível, tergiversou. Palocci notou também, pelos argumentos esgrimidos pelo presidente, que ele avalizara e talvez tenha até estimulado a entrevista concedida por Dilma Roussef. A ministra da Casa Civil tem-se revelado uma adversária respeitável da política econômica. Depois de tomar pé do ministério, ela fez um minucioso relatório a Lula sobre a execução orçamentária e as dificuldades para tocar projetos fundamentais por falta de dinheiro. Pelo menos sete ministros, especialmente aqueles encarregados de tocar obras, apoiaram e continuam apoiando a cruzada de Dilma. Pressionado por ministros e pelo PT, Lula sinaliza mudanças na política econômica. Está preocupado com a falta de obras às vésperas do período eleitoral. Num dos diálogos difíceis que teve com Palocci nos últimos dias, deixou o ministro falando sozinho quando ele afirmou que a política econômica não pode ser outra. Por outro lado, advertido por emissários dos mercados - o mais notório deles, o deputado Delfim Netto (PMDB-SP) -, que temem a saída de Palocci e uma guinada na área econômica, deixou de lado, pelo menos por enquanto, a idéia de substituir o ministro. Lula chegou a avisar ao líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), que ele seria o novo ministro da Fazenda, caso não fosse possível manter Palocci. O presidente ficou irritado com o que considerou uma "manobra" do ministro para permanecer no cargo. A manobra consistiu em ameaçar deixar o posto, enquanto arregimentava apoio no mercado e na oposição para se manter no ministério. Pressionado por ambos, Lula foi obrigado a desistir de substituí-lo.