Título: Debate sobre TV digital entra em fase decisiva
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2005, Especial, p. A12

Televisão Pesquisas dão resultados e governo promete decidir até fevereiro

O plano do governo de desenvolver um sistema brasileiro de televisão digital entrará nos próximos dias numa etapa decisiva. Centros de pesquisa contratados para estudar os sistemas em operação no mundo e propor alternativas têm até o fim desta semana para apresentar suas conclusões. O governo promete definir até fevereiro do próximo ano o modelo que o Brasil vai adotar. Pesquisadores que participam do projeto anunciaram nas últimas semanas os primeiros resultados do seu trabalho. Questões cruciais para a escolha das tecnologias que o país vai usar permanecem indefinidas, mas as inovações que eles apresentaram geraram entusiasmo e ganharam simpatia até nas emissoras de televisão, que viam os planos de Brasília com enorme ceticismo. "Ficamos preocupados e inseguros no começo desse processo", diz o diretor de engenharia da Rede Globo de Televisão, Fernando Bittencourt. "O que mudou é que os resultados têm sido extremamente positivos e o governo está empenhado em cumprir o cronograma planejado." Além de imagens e sons de melhor qualidade, a televisão digital oferece muitas vantagens. Ela permite exibir programas simultâneos num mesmo canal. Filmes e novelas podem ser gravados a qualquer momento sem os intervalos comerciais. Os televisores podem ser usados para trocar mensagens eletrônicas e acessar serviços disponíveis na internet. O Ministério das Comunicações contratou 50 universidades e institutos de pesquisa para estudar os padrões de TV digital estrangeiros. A maioria começou a trabalhar há bem pouco tempo, não recebeu muito dinheiro e terá pouco a apresentar agora. Alguns lidavam com o tema há mais tempo e se saíram melhor. Um dos grupos que se destacaram é liderado pela Universidade Mackenzie e estudou os sistemas de transmissão de outros países. Os pesquisadores concluíram que o modelo japonês é o que melhor se adapta à realidade brasileira e sugeriram modificações para reduzir o risco de que eletrodomésticos e outros tipos de interferência prejudiquem a recepção dos sinais da TV digital. Outro grupo com bons resultados para exibir foi liderado pela Universidade de São Paulo e desenvolveu protótipos dos terminais que serão usados para converter os sinais digitais e exibi-los em televisores comuns no início da adoção da nova tecnologia. Os protótipos foram montados com componentes encontrados em aparelhos similares que já estão à venda no exterior. Coordenado pela Universidade Federal da Paraíba, um terceiro grupo desenvolveu um programa de computador que permite usar terminais como os criados pela USP para acessar a internet e explorar serviços interativos. Baseado em padrões comuns aos sistemas de outros países, o software inclui um dispositivo que permitiria aos próprios telespectadores transmitir imagens e sons gravados em casa. Aparelhos desenvolvidos por esses três grupos estão sendo testados há algumas semanas com bons resultados nos laboratórios dos pesquisadores. Mas isso não significa que as alternativas propostas por esses grupos serão as escolhidas pelo governo. "São idéias boas, mas ainda não sabemos se são viáveis economicamente e se é possível assegurar a continuidade do seu desenvolvimento", diz o diretor do Laboratório Philips da Amazônia, Walter Duran, que defende a escolha do padrão europeu pelo Brasil. O mais provável é que o governo use os resultados alcançados pelas pesquisas até aqui para negociar em melhores condições a adesão do país a um dos padrões estrangeiros, na avaliação de especialistas que participam do projeto. O resultado disso seria a adoção de um sistema que combinaria tecnologias disponíveis no exterior com inovações e adaptações feitas por brasileiros. A expectativa em torno do momento da decisão tem alimentado pressões variadas sobre Brasília. Cada sistema estrangeiro apresenta vantagens sobre os outros em algum aspecto técnico, mas o caráter da disputa é essencialmente comercial. As tecnologias que forem adotadas determinarão o grupo de indústrias que ganhará mais com a venda de televisores e equipamentos. Representantes dos padrões estrangeiros têm acenado com parcerias e dinheiro para pesquisas. Os Estados Unidos ofereceram US$ 150 milhões, desde que os projetos de pesquisa sejam escolhidos por empresas americanas. A União Européia pôs 5 milhões de euros na mesa há poucos dias, com condições parecidas para assegurar os interesses europeus. Muitos participantes do projeto vêem com desconfiança essas propostas. Eles desconfiam que dificilmente o Brasil teria como fazer suas posições prevalecerem nas organizações que administram os padrões estrangeiros. "Nossa experiência com essas organizações sugere que elas são pouco flexíveis e resistem a sugestões de mudanças", afirma Gunnar Bedicks Jr., líder do time de pesquisadores do Mackenzie. Outra questão ajuda a entender por que a decisão do governo é tão complicada. O debate sobre a televisão digital pôs em lados opostos os interesses de dois grupos poderosos, as emissoras de televisão e as operadoras de telefonia celular. Dependendo das escolhas que forem feitas por Brasília, os negócios dessas empresas poderão ser afetados de forma significativa no futuro. A introdução da TV digital permitirá que as pessoas assistam seus programas prediletos em seus celulares e em aparelhos dentro de carros e ônibus. Mas cada padrão estrangeiro oferece uma solução técnica diferente para isso. O sistema europeu permite que a transmissão de televisão para celulares seja tratada como um serviço à parte, e portanto um negócio que poderia ficar fora do controle das emissoras. O padrão japonês permite que os mesmos sinais transmitidos pelas estações de televisão sejam captados por celulares, o que atende aos interesses das emissoras. Pessoas interessadas em usar o telefone para assistir televisão só precisariam comprar aparelhos dotados dessa capacidade e não teriam que pagar nada a mais pelo serviço. "Já existem no país celulares que sintonizam rádio e ninguém está cobrando por isso", comenta o diretor de engenharia do SBT, Roberto Franco.