Título: Afaste o prejuízo
Autor: Danilo Fariello
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2005, EU &, p. D1

O recente imbróglio da Avestruz Master, cuja perda pode chegar a R$ 1,7 bilhão, revela a vulnerabilidade do aplicador às promessas de lucros

Um aviso: este texto tratará de aplicações exóticas que prometem rendimentos acima de 10% ao mês. Animado? Seja um novato ou um aplicador experiente, é natural que essas porcentagens agucem seu interesse. Mas a história comprova que investimentos desse tipo dificilmente têm final feliz. Que o digam os 80 mil prejudicados, que perderam cerca de R$ 3,2 bilhões apenas nos maiores casos: Fazendas Reunidas Boi Gordo (FRBG), Gallus Agropecuária e Avestruz Master. Trabalhos acadêmicos e fatos recentes do mercado brasileiro, como esses prejuízos de investidores que aplicaram na criação de bois, galos, porcos e avestruzes, assim como em alguns sites de investimento no mercado internacional de moedas, o Foreing Exchange (Forex, na sigla em inglês), mostram que o ser humano está naturalmente sujeito a se iludir. E, acredite, nem o nível mais elevado de ceticismo pode evitar que alguém embarque em tentações. Teorias psicológicas cada vez mais aceitas no ambiente financeiro explicam os motivos que levam as pessoas a apostar em mercados desconhecidos. A tese fundamental indica que ninguém toma atitudes puramente racionais, ou seja, emoções pesam na escolha de um investimento. Essa constatação rendeu o Prêmio Nobel de Economia em 2002 aos pesquisadores Daniel Kahneman e Amos Tversky. "O ser humano tem uma mente frágil, vulnerável a questões emocionais", diz a psicanalista e representante brasileira na Associação Internacional para Pesquisa em Psicologia Econômica (Iarep, em inglês), Vera Rita Ferreira. O bombeiro Flávio Lima, de Recife, é um dos prejudicados pela Avestruz Master, que interrompeu pagamentos no começo de novembro. "Pensava em comprar uma casa para minha família como presente de Natal", disse. Lima é um dos 49 mil aplicadores que acreditaram em ganhos de 10% ao mês. Essas promessas indicam processos de morte anunciada que freqüentemente se repetem. Alberto Camiña, promotor paulista que cuidou dos casos Gallus, FRBG e Top Avestruz, diz que se tratam de pirâmides financeiras que despertam a ganância dos aplicadores. "Essas remunerações não existem no mundo real e um dia acabam." O rendimento inicial, muitas vezes apenas contábil por não ser sacado, costuma inebriar aplicadores. Assim, levar em conta os riscos da atividade fica cada vez mais difícil conforme o bolo cresce. Quando o professor aposentado Pedro Paula Monteiro investiu R$ 8,3 mil na Avestruz Master e viu em pouco tempo seu patrimônio crescer para R$ 15 mil, ficou difícil não ampliar as aplicações. No momento da ruptura, o sonho vira pesadelo. "Agora acho que perdi todas as minhas economias", diz. Para que a empresa possa oferecer investimentos financeiros, ela deve ser uma sociedade por ações (S.A.) com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo o presidente da CVM, Marcelo Trindade, "o investidor deve consultar sempre a CVM para se informar sobre a existência de registros de qualquer empresa que ofereça investimento financeiro." A Avestruz Master não possuía esses registros, mas a CVM, apesar de ter publicado deliberações contra a empresa, não pôde impedir o avanço. Para tanto, é necessário processo judicial. No caso da Top Avestruz, Alberto Camiña conta que obteve liminar que impediu novas vendas antes de a empresa apresentar dificuldades. A CVM reforça a necessidade de análise atenta de investimentos que prometem rentabilidade muito superior à dos demais pois, na maior parte das vezes, se estará diante de sociedades que atuam de forma irregular. Mas o registro da oferta e da empresa na CVM também não é garantia do retorno esperado. A rentabilidade desses negócios que envolvem o setor agropecuário têm diversas variáveis, como mostra o impacto da febre aftosa no preço da arroba do boi. A dificuldade de controlar o que a empresa está fazendo com o dinheiro - cuidando de animais ou aplicando no exterior -, acaba permitindo que ela assuma mais compromissos do que comporta sua estrutura e a própria atividade. Nesses casos, chega um ponto em que ela tem de captar a qualquer custo para bancar resgates. Atuar com bens simples e tangíveis - como animais - é outra característica da maioria desses investimentos. Mas isso não quer dizer que todas as empresas nesse ramo tenham procedimentos duvidosos. Ter acesso a informações também não livra de riscos. Há cerca de um ano, o diretor financeiro de uma empresa paulista foi convencido a aplicar US$ 80 mil (cerca de R$ 180 mil) no Forex, motivado por promessas de ganhos robustos no curto prazo. Depois de se envolver na adrenalina dos derivativos, com ganhos que superaram os 20% num dia, não viu um centavo do capital investido. Quando tentou resgatar, foi levado a fazer uma última aposta. Os US$ 80 mil viraram pó. A empresa não era autorizada a operar pela CVM. Colaboraram Paulo Emílio, do Recife, e Adriana Cotias, de São Paulo