Título: CPI constata operações 'atípicas'
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2005, Política, p. A7

Crise Sub-relatório lista transações de 14 fundos de pensão

A CPI dos Correios constatou prejuízo de R$ 783,9 milhões com aplicações financeiras suspeitas de 14 fundos de pensão em derivativos e títulos públicos, no período entre janeiro de 2000 e agosto de 2005. Segundo relatório da sub-relatoria de fundos de pensão, a maior parte das perdas veio de negócios desvantajosos feitos em derivativos (contratos definidos entre duas partes nos quais se definem pagamentos futuros) na Bolsa de Mercadorias & Futuros, que somam R$ 729,1 milhões. Esse valor foi perdido pelos fundos de pensão em operações consideradas "atípicas" pelos técnicos da CPI e se converteram em ganhos para corretoras que realizaram as transações no mercado financeiro. A lista das principais corretoras beneficiadas inclui a Bônus-Banval, suspeita de ter repassado recursos do valerioduto ao PT e ao PP, e o corretor José Carlos Batista, dono da Guaranhuns e considerado um "laranja" para operações que beneficiariam o PL. Ambos foram identificados como sacadores das contas do empresário Marcos Valério. Segundo trabalho apresentado ontem à CPI pelo deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), sub-relator das investigações que revisaram os negócios feitos por 14 fundos de pensão, os maiores prejuízos ocorreram em 2001 e em 2003. Foram auferidos por dois fundos: a Prece, dos funcionários da Companhia Estadual de Água e Esgoto do Rio (Cedae), teve perdas de R$ 309 milhões; no Sistel, dos funcionários da Telebrás, os prejuízos somaram R$ 153,9 milhões. Petros (Petrobras), Funcef (Caixa Econômica Federal), Postalis (Correios), Real Grandeza (Furnas), Nucleos (Eletronuclear) e Geap (Geipot) também registraram perdas expressivas, segundo o relatório. A Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, foi o único dos fundos investigados em que não foram constatadas transações atípicas. No entanto, a Previ teria perdido R$ 1,4 milhão em operações suspeitas envolvendo títulos públicos, em 2004. A Nucleos registrou prejuízo de R$ 13,1 milhões nesse tipo de transação, apenas em 2005. Os integrantes da CPI foram cautelosos ao fazer avaliações dos dados, mas podem começar a votar, já a partir de hoje, requerimentos de quebras de sigilo das 50 principais corretoras beneficiadas. "Também vamos cobrar dos fundos uma prestação de contas detalhada", afirmou ACM Neto. "São transações que fogem a padrões de mercado, mas ainda não vamos tirar conclusões neste momento." Segundo o relatório do deputado, há suspeitas de desvio da prática de alocação por parte das corretoras. Funciona da seguinte forma: todos os dias, na abertura dos mercados, a corretora recebe ordens de seus clientes (incluindo os fundos) para fazer transações. Após um dia de compra e venda de papéis no mercado futuro, as corretoras são obrigadas a comunicar formalmente para quem fez tais operações. No caso dos supostos desvios dessa prática, chamada de alocação no jargão técnico, os fundos de pensão ficam com os piores preços negociados ao longo do dia e clientes selecionados auferem os negócios mais vantajosos no pregão. Pode ficar comprovado um desvio irregular por parte das corretoras. O que intriga os integrantes da CPI é o porquê de os fundos, embora registrassem perdas constantes com tais corretoras, continuassem fazendo transações desvantajosas com elas. "Se foi por má gestão ou por uma decisão determinada de beneficiar esta ou aquela pessoa, isso a investigação é que vai determinar", ponderou ACM Neto. Nas operações de derivativos, o resultado de 32 dias de investigações mostrou que corretoras como Laeta, Noinvest, Cruzeiro do Sul e Fator-Dória Atherino se beneficiaram das aplicações supostamente mal-sucedidas dos fundos de pensão. O relatório não faz nenhuma conexão explícita com o valerioduto, mas demonstra que a Bônus-Banval obteve ganhos de R$ 14,7 milhões com essas transações, concentradas principalmente em 2003. José Carlos Batista, formalmente dono da Guaranhuns, empresa que tem como sócios investidores desconhecidos do Uruguai, registrou ganhos de R$ 16,2 milhões e perdas de 9,2 milhões nessas operações. Ou seja, obteve um lucro líquido de R$ 7 milhões. Cerca de R$ 770 mil de ganhos são provenientes de aplicações da Petros, da Prece e do Sistel. Outros R$ 4,7 milhões advêm da Laeta. Esta última ganhou com operações atípicas feitas para os fundos de estatais e, em período semelhante, teve perdas em transações com Batista. Com aplicações em títulos públicos, como letras e notas do Tesouro Nacional (NTNs e LTNs), a suspeita da CPI recai sobre o movimento de compra e venda a partir de 2003. No mesmo dia, títulos eram comprados seguidamente por duas ou três corretoras. A cada transação o preço unitário do título aumentava um pouco, chegando a um valor final bem superior ao do início do pregão. Os fundos serão questionados sobre a compra desses títulos da última corretora, em vez de terem adquirido os papéis por um preço mais baixo no início da cadeia.