Título: Do algodão à camiseta, rede de cooperativas reúne 700 pessoas
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2005, Especial, p. A14

O trabalho começa cedo, às 6h30, e vai até às 18 horas na Cooperativa de Costureiras Unidas Venceremos, a Univens. Esse empreendimento cooperativo reúne 23 sócios (21 mulheres e dois homens), nasceu em 1996, ganhou corpo e hoje fatura R$ 40 mil por mês. Agora, começa a se preparar para vender no mercado externo. "Nós criamos as peças, desenvolvemos, produzimos e administramos", conta com orgulho a presidente da Univens, Nelsa Nespolo, 42 anos, que já trabalhou em indústrias de vestuário e da alimentação, de onde foi demitida em 1993 por participar de assembléia do sindicato dos empregados. Antes de participar da fundação da cooperativa, ela também costurava em casa para amigos e parentes. Cerca de 90% do faturamento é obtido com a venda de camisetas, jalecos, calças, uniformes, além de sacolas para eventos, tudo sob encomenda de escolas, empresas, sindicatos e prefeituras. Há ainda uma linha de produtos com marca própria, estampados com ilustrações sobre Porto Alegre. Este ano, a Univens passou a fazer parte de uma cadeia de cooperativas ligadas à produção e industrialização de algodão ecológico, cultivado sem uso de defensivos, atividade que ocupa mais de 700 pessoas no Ceará, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e até na região amazônica. A partir dessa articulação, montada em eventos como Fórum Social Mundial, Fórum Brasileiro da Economia Solidária e encontros da central de cooperativas Unisol, a Univens criou a grife Justa Trama, nome que associa trama social, justiça e trabalho com fios, explica Nelsa. Lançada em outubro, mais de 1.300 peças da marca - das 1.500 já produzidas - foram vendidas em encontros de entidades ligadas à economia solidária. Agora, a Univens quer colocar a nova linha em lojas alternativas, ligadas a movimentos sociais ou focadas em produtos ecologicamente corretos, e também no varejo tradicional para alavancar as vendas. As exportações estão nos planos. Os primeiros contatos com potenciais clientes externos ocorreram nas feiras BioFach e Expo Sustentat, realizadas mês passado no Riocentro (RJ). "Fabricamos 10 mil peças por mês e podemos ajustar os produtos conforme a demanda", explica a presidente. De acordo com ela, o gargalo da Justa Trama é a limitação da capacidade de produção de algodão pelos 170 agricultores familiares ligados à Associação Educacional de Desenvolvimento Cultural, no interior do Ceará. Por enquanto, são produzidas de quatro a seis toneladas por ano, e a intenção é aumentar os volumes. A "cadeia produtiva solidária do algodão ecológico", como é chamada pelos integrantes, inclui ainda a Cooperativa Nova Esperança, de Nova Odessa (SP), responsável pela produção dos fios, a Textilcooper, de Santo André (SP), encarregada da tecelagem, e a Fio Nobre, empresa autogestionária de Itajaí (SC), que faz os cordões usados na confecção de algumas peças da Justa Trama. Há também a cooperativa Açaí, que reúne trabalhadores do Acre, Amapá, Amazonas, Roraima, Rondônia, Pará e Tocantins e fornece sementes e tinturas para decorar as roupas. De acordo com Nelsa, todo o processo tem o apoio da Fundação Banco do Brasil, que abriu fundo de crédito rotativo de R$ 105 mil para financiar, por oito meses, a compra e venda de matérias-primas dentro da cadeia produtiva. Ao mesmo tempo em que une todas as pontas do processo produtivo, a rede exige uma administração complexa. Parte do faturamento das cooperativas passou a ser destinado a um fundo compartilhado para futuros investimentos em pontos de estrangulamento, ou para aumentar o valor agregado dos produtos. O valor ainda é pequeno, mas a decisão sobre o uso dos aportes caberá a uma assembléia com todas as partes. A organização interna da Univens também tem particularidades distintas de uma empresa tradicional. A diferença entre o menor rendimento (R$ 450) e o maior (R$ 800) não chega a duas vezes. Os ocupantes de cargos administrativos, como presidência, vendas ou tesouraria, não ganham nada a mais por isso e trabalham ao mesmo tempo na fabricação das roupas, onde a remuneração varia de acordo com a produção e o custo arbitrado para cada tarefa. "Trabalhamos de forma não competitiva, distribuindo o serviço de forma igual entre todos", afirma Nelsa. São duas formas de cálculo que determinam a divisão dos preços cobrados pelos serviços em cada etapa do processo produtivo e embutidos no custo final das peças. Nas áreas de corte e estampagem em serigrafia, a "arrecadação" mensal é somada e dividida em partes iguais entre os integrantes de cada equipe. No caso das costureiras, que realizam mais de uma tarefa (como confecção da "bainha" e "fechamento" das roupas), a produção é distribuída em lotes do mesmo tamanho, para garantir o equilíbrio das remunerações. Cada associado contribui ainda com 10% da renda para um fundo da cooperativa. O dinheiro acumulado até o ano passado pagou um terreno por R$ 38 mil na zona norte de Porto Alegre, onde foi construída a sede da Univens, que até então funcionava em uma incubadora de empreendimentos populares. O prédio, cuja construção custou R$ 110 mil foi financiado pela ONG espanhola Acsur, sendo mais de 50% a fundo perdido. A cooperativa foi fundada há quase uma década por um grupo de 35 mulheres entre 18 e 70 anos, donas-de-casa desempregadas, mães que não podiam trabalhar fora por causa dos filhos ou que não conseguiam emprego devido à idade. Um terço delas permanece na cooperativa, que hoje reúne trabalhadores de 22 a 61 anos.