Título: A escrava Isaura faz bem ao café brasileiro
Autor: Robinson Borges
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2004, Eu, p. 2

Quase 30 anos depois de exibida na Rússia, "A Escrava Isaura" ainda é um dos maiores sucessos da TV do país. Gente de todas as idades se lembra do sofrimento da escrava de tez branca nas mãos de malévolos feitores, numa fazenda brasileira. De carona nessa demonstração de afinidade cultural, a Perdigão, uma das maiores exportadoras para a Rússia, decidiu lançar lá uma nova marca para processados de frango - "nuggets", empanados e salsichas - batizada de Fazenda. A escolha do nome vem do fato de a palavra "fazenda" ter entrado na linguagem local durante a exibição da novela, pois não havia tradução para o russo e, então, os personagens usavam o termo brasileiro. "A marca está indo muito bem", comemora Antonio Augusto De Toni, diretor de exportação da Perdigão. Ele diz que o mercado russo é bastante atraente para as empresas exportadoras de carne, em especial a bovina. A explicação está na dificuldade que os russos têm para ampliar a produção própria. "Vão levar de 10 a 15 anos para atender a 75% do mercado interno", afirma o diretor da Perdigão. A empresa vai abrir um escritório em Moscou no próximo ano. "Não nos interessa centrar nossos negócios apenas em commodities. Queremos valores agregados", observa Ricardo Menezes, diretor de relações institucionais. A Rússia também está na lista de países no qual a Sadia - outra das maiores exportadoras - tem interesse em instalar uma fábrica. "É uma alternativa. Estamos em estudos e consideramos também a possibilidade de criar uma joint-venture com uma empresa russa", afirma Felipe Luz, diretor de relações institucionais da Sadia. De Toni observa que o frango é um produto mais problemático para exportadores que pensam a longo prazo, por que a produção russa cresce 15% ao ano. Nesse ritmo, o país chegará a 75% de suficiência no setor num período entre cinco e oito anos. "Quem vai sofrer com essa mudança são os EUA, os principais exportadores para a Rússia, hoje", comenta o diretor da Perdigão. Na opinião do diretor da Sadia, porém, a Rússia é fundamental para as empresas da área de alimento em geral, com perfil exportador, pois as condições de produção e a área física para o agronegócio no Brasil são mais favoráveis. "O que não pode ocorrer é suspender as importações de nossos produtos de uma hora para outra. A entrada na Organização Mundial do Comércio (OMC) pode ser uma forma de evitar esses transtornos", comenta Luz. As mudanças na composição da demanda russa de produtos importados e as questões legais, como as cotas, fazem com que a diversidade de oferta seja uma estratégia importante para o Brasil. "Queremos oferecer o maior número de alternativas possíveis para os russos", disse o vice-presidente José Alencar, presidente do lado brasileiro da Comissão de Alto Nível Brasil+Rússia. Um setor que está ganhando adeptos na terra de Lênin é a moda. Em setembro, o governo brasileiro promoveu o evento "Moda Brasil-Rússia", com a Agência de Promoção de Exportadores do Brasil (Apex). O mercado do luxo da Rússia está aquecido, por causa do crescimento econômico de 7% ao ano, que faz crescer uma classe de novos ricos ávidos por jóias, calçados, cosméticos e roupas. O Brasil exportou cerca de US$ 13 milhões para a Rússia com estes setores no ano passado - 75% mais que em 2002. Na área de higiene oral, o Brasil exportou US$ 64,3 milhões para Rússia e US$ 52, 2 milhões em produtos para cabelo. Mas nem só de novos produtos vive a exportação do Brasil para a Rússia. A Cacique, primeira empresa brasileira a atuar regularmente na então URSS, desde 1967, tem no país um de seus principais clientes, representando 35% de suas vendas, que totalizam US$ 70 milhões. A Cacique exporta 98% de sua produção. "Até o colapso da União Soviética, a Cacique era a única exportadora de café para a Rússia", diz Edgar Müller, diretor de operações da Brastrade, que representa a Cacique no mercado russo. Hoje, a Cacique tem diversos concorrentes (a Nestlé é a mais importante). A relevância do café na Rússia pode ser traduzida em cifras: as exportações somaram US$ 34 milhões no primeiro semestre, valor 118,7% maior que o verificado no mesmo período de 2003. "Estamos expandindo a linha nobre do café Pelé. A Rússia se sofisticou", diz Müller, que lançou em Moscou, na semana passada, um produto para as classes C e B.