Título: Ministro teme as manchas da Yukos
Autor: Robinson Borges
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2004, Eu, p. 2

Mesmo com a previsão de crescimento econômico de cerca de 7%, superávit fiscal e reservas de divisas de mais de US$ 100 bilhões, o ministro da Fazenda da Rússia, Alexei Kudrin, o mais influente e próximo do presidente Vladimir Putin, demonstra preocupação com a estabilidade do país e suas reformas liberalizantes. Sua dor de cabeça chama-se Yukos, a maior produtora de petróleo da Rússia, que enfrenta problemas com a justiça há um ano. Kudrin também teme que a implantação do Protocolo de Kyoto, já ratificada pelo parlamento e sancionada pelo presidente Putin, não alcance o êxito esperado. Em entrevista ao Valor, em seu gabinete de Moscou (concedida logo após ter recebido o ministro da Fazenda da Chechênia), Kudrin disse acreditar que o mau tempo que atingiu o mundo dos negócios de seu país deva ser superado com os leilões de ativos da Yuganskneftegaz, subsidiária da Yukos, previstos para este mês. A Yuganskneftegaz produz cerca de um milhão de barris de óleo, equivalentes a 60% da produção total da Yukos. Os leilões viabilizariam o pagamento das dívidas da empresa, estimadas em mais de US$ 7,5 bilhões em impostos devidos aos cofres públicos. "Com a receita obtida nos leilões, acho que teremos dinheiro suficiente para dar cobertura às dívidas gerais da companhia", disse Kudrin. Para o ministro, a realização dos leilões também contribuirá para recompor a imagem das corporações do país e traria mais investimento direto estrangeiro. Isso porque, durante anos, a Yukos foi símbolo de governança corporativa em emergentes. A opinião de Kudrin, porém, não é compartilhada pela mídia russa, que tem questionado a intervenção judicial na Yukos e os baixos preços mínimos propostos para os leilões da subsidiária. Apesar das acusações de fraude e sonegação, a prisão do ex-presidente da Yukos, Mikhail Khodorkovsky, no ano passado, bem como os problemas financeiros da empresa, poderiam estar relacionados a manobras políticas do presidente Vladimir Putin, afirma-se. "Depois do leilão, talvez, desapareçam do mapa esses rumores de que alguém quer levar a empresa à falência. Mas é claro que o tema perturba, gera nervosismo e, admito, leva a uma certa nebulosidade na economia", afirmou Kudrin. "Espero que os leilões da Yukos sejam realizados nos termos de uma economia de mercado." O escândalo da Yukos é visto por Kudrin como similar ao da americana Enron. Mas, para analistas, há diferenças. Trata-se de mais um episódio do embate de Putin com os oligarcas russos, iniciado no período pré-eleitoral do ano passado. Khodorkovsky, ex-presidente da Yukos, era considerado o homem mais rico da Rússia, com uma fortuna de aproximadamente US$ 11 bilhões, e integrava uma rede influente de milionários com ambições políticas. "Tenho um só posicionamento: quem infringe a lei fiscal tem de ser responsabilizado e deve pagar por isso", afirmou Kudrin. Especialistas avaliam que a venda da Yuganskneftegaz poderá prejudicar a reputação entre empresários do Ocidente. Investidores têm dúvidas sobre a manutenção dos direitos de propriedade privada no país, depois da intervenção do Estado na Yukos. Empresas de classificação de risco acompanham os fatos. Considerado um dos mais liberais entre os integrantes do governo de Putin, Kudrin garante que não haverá retrocesso na caminhada do país em direção ao mercado global. Responsável pelas reformas que marcaram a primeira gestão de Putin, a partir de 2000, como a simplificação do sistema de impostos, a missão atual de Kudrin é dar sequência às mudanças, preparar o país para entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC) e reduzir a presença do Estado na economia. Mas Kudrin entende que alguns setores devem continuar sob controle estatal, e cita especificamente o gás e a eletricidade. Não por acaso, 51% das ações da Gazprom, maior produtora de gás do mundo, passarão às mãos do Estado como consequência da fusão com a Rosneft, outra estatal. A Gazprom está em projetos de parceria com a Petrobras. Kudrin contrapõe-se às opiniões do primeiro-ministro russo, Mikhail Fradkov, que considera necessária uma intervenção maior do Estado na economia. "Não há dúvida de que as funções reguladoras do Estado devem ser reduzidas. Mas tenho claro que a concorrência e a competitividade na Rússia ainda estão num nível insatisfatório", disse Kudrin. Na entrevista, Kudrin comenta a decisão do Kremlin de apoiar oficialmente o Protocolo de Kyoto e demonstra desconfiança em relação aos efeitos colaterais que a aplicação do acordo internacional poderá trazer para a economia do país. Fala também da criação de um bloco econômico com países da Eurásia, para negociações conjuntas com a União Européia, e das perspectivas em que situa Brasil, Rússia, Índia e China, países a seu ver destinados a exercer forte liderança internacional nas próximas décadas. Leia trechos da entrevista. Valor: O escândalo da Yukos pode comprometer a entrada de investimento direto no país, por causa da perda de confiança na governança das empresas russas, que tinham a Yukos como referência? Alexei Kudrin: Está na ordem do dia a venda da Yuganskneftegaz, subsidiária da Yukos, que será leiloada em breve. Com a receita obtida nos leilões, acho que teremos dinheiro suficiente para dar cobertura às dívidas gerais da companhia. Espero que os leilões sejam feitos com base nos termos de uma economia de mercado, com a mais absoluta transparência. Valor: Há rumores no mercado de que houve influência de interesses políticos por trás das acusações à direção da Yukos, com o objetivo de levá-la à falência. Kudrin: Depois do leilão, talvez desapareçam esses rumores de que alguém quer levar a empresa à falência. Mas é claro que o tema perturba, gera nervosismo e leva a uma certa nebulosidade na economia. Mas você se lembra de quando a Enron, a empresa americana, também esteve sob sanções do governo dos EUA? Pois é, também surgiu uma situação similar a esta, de instabilidade, mas na economia americana. Valor: O escândalo da Yukos poderá afetar o bom andamento da economia russa e a reputação do país ante a comunidade empresarial internacional?

"A parcela da participação do Estado chega a 50% da economia russa. É nosso propósito dar continuidade às privatizações"

Kudrin: O ministro da Fazenda da Rússia tem um só posicionamento: quem infringe a lei fiscal deve ser responsabilizado e pagar por isso. Todas as ações movidas até agora se referem mais às posições dos órgãos judiciários e do Ministério da Justiça. Quero acreditar que estes organismos atuem em conformidade com a legislação. Valor: As reformas realizadas pelo governo de Vladimir Putin em sua primeira gestão foram liberalizantes. O sr. acha que este caso Yukos e as novas decisões políticas de Putin podem influenciar a continuação das reformas? Kudrin: Não vejo relação. Mas a Rússia ainda tem de fazer muitas reformas. Em alguns setores, temos avançando com mais êxito do que em outros. Estamos baixando os impostos. E este ano foi aprovada a lei da liberalização monetária e de divisas. Isto é, a partir, de 2007, queremos abolir todas as restrições sobre a circulação de capitais. Não teremos nenhum tipo de restrição à participação de capital estrangeiro no setor bancário. A política tarifária já está praticamente de acordo com as exigências da OMC. No entanto, a participação do Estado ainda continua elevada. Valor: Alguns segmentos econômicos da Rússia se manifestaram contrários à posição positiva do governo russo em relação ao Protocolo de Kyoto. Qual o impacto que a aplicação do protocolo pode ter sobre a economia do país? Kudrin: É claro que a implantação do Protocolo de Kyoto gera certa apreensão. A economia dos EUA, que é responsável por 1/3 da emissão mundial de CO², não está comprometida com o protocolo. Embora a Índia e a China tenham ratificado o documento, não impuseram limitações. Por isso, temos dúvidas sobre a eficácia da aplicação do protocolo e não estamos certos de que todos estejam preparados para respeitar esse compromisso. Ainda receamos as exigências que certamente se revelarão após alguns anos de vigência do protocolo. A Rússia ratificou o documento, mas ressalvando que vai estabelecer um monitoramento severo, para verificar se os termos do acordo estão sendo observados à risca pelos outros signatários. Valor: Como o senhor compara o desenvolvimento econômico da Rússia e dos outros países do ex-bloco socialista do Leste europeu, que agora são integrantes da União Européia? Kudrin: Em nosso país, as projeções mostram uma economia em seu pleno dinamismo, neste ano e no próximo. Em 2004, devemos ter um crescimento de 7% e para o ano que vem esperamos 6,3%. Sempre procurando manter a inflação em baixa. Para 2005, a meta é de 8,5%. Os rendimentos têm tendência crescente e espero que sejamos admitidos na OMC. A etapa seguinte é a criação de uma zona de livre comércio integrada à Eurases (Comunidade Econômica Eurasiana, na sigla em inglês), que agrupa países como Rússia, Bielo-Rússia, Ucrânia e Cazaquistão. Valor: O passo seguinte é a entrada na UE? Kudrin: A implantação da Eurases vai ser gradativa, pois dependerá de regulamentações. Mas isso não quer dizer que planejamos a entrada na União Européia. Uma associação, sim, pode acontecer. Este é o motivo pelo qual aproximamos ao máximo os mecanismos deles dos nossos. No caso das companhias de seguros, por exemplo, as empresas da União Européia e da Rússia trabalham em condições absolutamente iguais. Valor: Depois da onda neoliberal que dominou os anos 90, analistas consideram que há uma necessidade de fortalecimento de instituições ou até de mais presença do Estado no setor econômico. Setores do próprio governo têm acenado com uma posição mais intervencionista. Kudrin: A parcela da participação do Estado chega a 50% da economia russa. É nosso propósito dar continuidade às privatizações. No que se refere ao mercado, o Estado só pode e deve estabelecer as regras do jogo, mas não deve intervir como agente econômico. Não sou partidário do papel acentuado do Estado na economia. Mas entendo que o Estado deva ser mais rigoroso com aqueles que não cumpram a lei à risca. Para mim, não há dúvida de que as funções reguladoras do Estado devem ser reduzidas. Mas tenho claro que a concorrência e a competitividade na Rússia ainda estão num nível insatisfatório. Valor: Qual seria o tamanho ideal do Estado na economia? Kudrin: Excetuando empresas de produção militar e outras dos setores elétrico, de transporte e de gasodutos, o Estado não deve estar presente. Falo como economista, que já estudou a intervenção do Estado na Rússia e em outros países. Valor: Setores como o de aviação e o automotivo alegam estar sendo prejudicados numa segunda onda de privatização. Concorda? Kudrin: A entrada na OMC nos impõe a elevação da competitividade de nossas empresas. No entanto, julgo que as condições que já aceitamos e vamos aceitar são bastante apropriadas para o desenvolvimento dos setores que você mencionou.