Título: Petróleo, rublo, inflação
Autor: Robinson Borges
Fonte: Valor Econômico, 12/11/2004, Eu, p. 2

A elevação dos preços do petróleo no mercado internacional tem influenciado diretamente a condução da política macroeconômica da Rússia. Seu efeito colateral mais agudo é verificado na cotação da moeda do país, o rublo, que atingiu sobrevalorização excessiva e tem comprometido o controle da inflação. Nas últimas semanas, o rublo elevou-se 1,5% frente ao dólar. O índice de preços ao consumidor fechará o ano de 2004 na casa dos dois dígitos - acima do nível médio esperado para outras economias emergentes. A solução do Banco Central russo para conter a valorização do rublo tem sido a compra de moeda estrangeira no mercado. A medida caminha na contramão das políticas macroeconômicas ortodoxas, que pregam câmbio flutuante, como o praticado no Brasil desde 1999. O Banco Central russo, que é independente do governo, prefere seguir o regime de câmbio administrado. "Para prevenir a sobrevalorização do rublo, o Banco Central compra moeda estrangeira no mercado. No início deste ano, as reservas internacionais equivaliam a US$ 77 bilhões. Agora temos pouco mais de US$ 100 bilhões", disse ao Valor o presidente do Banco Central da Rússia, Sergei Ignatiev. "Evidentemente, ao comprar divisas estrangeiras temos de emitir rublos e, assim, aumentamos a massa monetária." A Rússia adotou a política de valorização do rublo para preservar os ganhos em competitividade depois do crash monetário que enfrentou em 1998. Mas o governo avalia que o bônus dessa política já está se esgotando. O sistema adotado hoje permite que o mercado determine o valor da moeda, mas também deixa o Banco Central à vontade para atuar como agente ativo das operações. "Se a demanda por rublos se torna excessiva, intervimos para impedir a sobrevalorização. Não é raro termos de agir de forma contrária", explica Ignatiev. Para o próximo ano, a meta do Banco Central é chegar a um teto de valorização do rublo inferior a 7%. "Mas tudo depende das condições exteriores, que podem comprometer nosso planejamento", ressalva Ignatiev. A meta de inflação, de 10% para 2005, é considerada um elemento colateral da política macroeconômica. E a taxa básica de juros não é um instrumento determinante para combater o aumento dos preços. "O principal canal de entrada de dinheiro na economia continua sendo a aquisição, pelo Banco Central, de moeda estrangeira, por causa da conjuntura econômica favorável no exterior", diz Ignatiev. "Refinanciamos os bancos comerciais e efetuamos operações com títulos do Estado, além de captar depósitos dos bancos a favor do Banco Central. Tudo isso para esterilizar a liquidez excedente." Ignatiev admite que o cenário não é ideal para a atração de investimento estrangeiro. "O clima para investimento inclui baixa inflação, taxas de juros baixa, cotação da moeda nacional equilibrada, estabilidade do sistema bancário. A falta desses elementos é muito negativa para a atração de investimentos estrangeiros. Não temos esses fatores combinados." Mesmo assim, em termos relativos, a tendência de investimento direto estrangeiro é de alta. De acordo com o Banco Central, no ano passado houve um afluxo de quase US$ 8 bilhões, mais que o dobro dos US$ 3,5 bilhões recebidos em 2002. Nos primeiros três trimestres de 2004, os volumes já chegam a cerca de US$ 7 bilhões, e deverão atingir recordes históricos até o fim do ano. O ministro da Fazenda da Rússia, Alexei Kudrin, não acha que os números são suficientes. Para ele, o câmbio deve se tornar flutuante em breve, para conter as pressões inflacionárias. Antes, porém, será necessário realizar todas as reformas que tornem a economia competitiva e propiciem o crescimento sustentável. O ministro também avalia que o governo precisa criar um fundo de estabilização para se prevenir de um colapso no preço do petróleo. No entanto, o Banco Central não só não segue a orientação do FMI para a flutuação da moeda, como não concorda com o relatório do organismo internacional, divulgado no fim de setembro, de que o superávit fiscal do país seja baixo. Para 2005, a previsão é de que essa folga chegue a 2% do PIB. O Banco Central informa que o orçamento federal teve superávit durante quatro anos consecutivos, o que, para Ignatiev, é suficiente para cobrir as despesas do Estado. "Muitos analistas afirmam que é preciso criar reservas preventivas para um eventual agravamento da situação externa. Este superávit alto também ajudaria a baixar a inflação. Mas analisamos diferentes cenários para a economia russa e desenhamos projeções de como se comportarão os preços em 2005", afirma o presidente do Banco Central. "A política econômica deste ano seguirá no ano que vem. O planejamento já foi aprovado pelo Parlamento. Mas não quero que pareça que estou me auto-elogiando aqui." O último relatório do FMI também ressalta que o sistema bancário russo passa por um período de turbulência, comprometendo a confiança dos investidores. Ignatiev discorda. Para ele, a tendência dos últimos anos é de consolidação da confiança em relação aos bancos - seja da parte das pessoas, seja da parte das empresas.