Título: O uso da arbitragem no âmbito das PPPs
Autor: Amanda Brisolla Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2005, Legislação & Tributos, p. E2

"A previsão legal da arbitragem na lei funciona como autorização para que o Estado figure como parte em uma demanda"

A globalização da economia mundial e a busca de investimentos externos visando o desenvolvimento econômico do país deixam transparecer a dura realidade que o Estado brasileiro enfrenta hoje: a falta de recursos orçamentários para a implementação de projetos de grande porte, principalmente na área de infra-estrutura. Há esperança, no entanto, que esse cenário mude muito em breve. Pelo menos o primeiro grande passo já foi dado com a aprovação da Lei das Parcerias Público-Privadas (PPPs) - a Lei Federal nº 11.079, de 2004 -, cujo objetivo é o de atrair investimentos de empresa privadas, que atuarão ao lado do poder público na implementação de projetos nas áreas de saneamento, energia, transportes e habitação, dentre outras. Dentre os dispositivos inovadores da nova lei está a previsão do uso da arbitragem como forma de solução de litígios oriundos do contrato de PPP, segundo o artigo 11, inciso III da legislação. Essa disposição representa um grande incentivo à utilização e divulgação do instituto, hoje ainda pouco utilizado no Brasil quando comparado a outros países da América Latina, tais como o Chile, o Peru e a Colômbia, nos quais a cultura arbitral já está mais consolidada. Em um país no qual constantemente ressurgem as discussões quanto à possibilidade da participação de entes públicos como parte nas arbitragens, a Lei das PPPs tem um papel fundamental, pois a previsão legal desse instituto funciona como uma autorização para que o Estado possa figurar como parte em uma demanda arbitral. Isso porque, em regra, os interesses públicos e direitos a eles relacionados são tidos como indisponíveis, e a arbitragem só é permitida quando dela forem objeto direitos patrimoniais disponíveis. Verifica-se, no entanto, que o legislador federal, ao permitir a utilização da arbitragem, não detalhou o procedimento a ser seguido, determinando apenas que deverá ser realizado no Brasil e em língua portuguesa. Como se sabe, a redação da cláusula arbitral é o primeiro passo para que o conflito seja resolvido de forma rápida e eficiente e, para tanto, os elementos essenciais da cláusula devem ser previamente definidos. Dentre esses elementos pode-se destacar a escolha entre arbitragem "ad hoc" e arbitragem institucional. A arbitragem "ad hoc" é aquela na qual não existe um centro para administrar o procedimento arbitral, cabendo ao tribunal arbitral constituído, ou ao único árbitro nomeado, administrá-lo. Já a arbitragem denominada institucional é a aquela na qual existe uma câmara ou centro para administrar o procedimento, que fica responsável pela notificação das partes, elaboração do termo de arbitragem etc.

A Lei das PPPs do Estado de Minas Gerais foi mais específica do que a lei federal sobre a previsão do uso da arbitragem

Com relação ao tema, a Lei das PPPs do Estado de Minas Gerais - Lei nº 1.468, de 2003 - foi mais específica do que a lei federal, determinando, em seu artigo 13, parágrafo 1º, que a arbitragem deverá ser obrigatoriamente institucional. Além disso, dispõe sobre o foro competente para a execução de medidas de natureza cautelar que sejam necessárias durante o curso do procedimento arbitral. Outro aspecto importante é definir se a demanda será resolvida por um tribunal arbitral ou por um árbitro único. Como os contratos a serem celebrados no âmbito das PPPs, em sua maioria, serão complexos, específicos e envolverão altos valores, o ideal seria já prever na cláusula de arbitragem que o conflito será resolvido por um tribunal arbitral composto por três árbitros. Para tanto, torna-se importante estabelecer a forma de nomeação dos árbitros e do presidente do tribunal arbitral. Ressalte-se aqui a importância da escolha da arbitragem institucional, pois, nesse tipo de arbitragem, como deverá ser eleita obrigatoriamente uma câmara para administrar o procedimento, a própria câmara, em seu regulamento, já prevê a forma de nomeação dos árbitros, evitando-se atrasos na constituição do tribunal arbitral. Outro detalhe importante da cláusula de arbitragem é o prazo para a prolação da sentença arbitral. Um prazo considerado razoável nas arbitragens privadas é o de seis meses a um ano. De qualquer forma, o importante é definir um prazo inicial para a sentença arbitral, bem como a possibilidade de sua prorrogação, e, nesse caso, definir em que hipóteses e por quanto tempo. Após essas breves considerações, concluímos que a inclusão da possibilidade de escolha da arbitragem na Lei das PPPs constitui um grande avanço por parte do legislador, que incentiva a cultura arbitral brasileira. Note-se, no entanto, que o legislador não detalhou o procedimento a ser observado. Assim, é importante que as partes, quando celebrarem um contrato a ser regido pela Lei das PPPs, e, caso optem pela arbitragem como forma de solução de conflitos, tomem o cuidado de definir algumas questões na própria cláusula arbitral, evitando-se que posteriormente haja lentidão no desenrolar do procedimento.