Título: STF estabelece limites para Estado intervir na economia
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2005, Brasil, p. A5

Judiciário Decisão favorece usina e condena congelamento de preços

Numa decisão inovadora, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que o Estado não pode interferir no domínio econômico das empresas e deu ganho de causa a uma companhia do setor sucroalcooleiro que pede indenização ao governo federal por prejuízos financeiros decorrentes de planos econômicos dos anos 80. Por três votos a zero, a 1ª Turma deu a primeira decisão favorável do STF ao pagamento de indenização ao setor sucroalcooleiro por perdas decorrentes do congelamento de preços iniciado com o Plano Cruzado, em 1986. A decisão beneficiou a Destinaria Alto Alegre e deve representar R$ 40 milhões de indenização à empresa. As implicações da decisão, no entanto, vão além. A votação da 1ª Turma é importante tanto para o setor sucroalcooleiro, em que várias companhias pedem indenizações totalizando mais de R$ 20 bilhões, segundo cálculos da Advocacia-Geral da União, quanto para outros setores que contestam na Justiça a intervenção do Estado na economia. Para que a decisão seja reanalisada pelo plenário do STF, é necessário uma nova decisão, em sentido contrário, pela 2ª Turma em ação de outra empresa sobre o mesmo assunto. Segundo a advogada Anna Paola Zonari de Lorenzo, do escritório Dias de Souza, os três ministros do STF definiram os limites da intervenção estatal na vida das empresas. Eles concluíram que esses limites são a garantia da livre iniciativa e da livre concorrência. Para os ministros, o governo terá de indenizar o setor sucroalcooleiro, pois, ao fixar os preços do álcool, prejudicou a livre competição. Outro ponto importante da decisão, explicou Anna Paola, foi que a 1ª Turma do Supremo mudou o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Destilaria Alto Alegre perdeu no STJ porque os ministros daquele tribunal consideraram, por maioria, que não há limites à intervenção do Estado na economia e que só caberia o direito à indenização para a empresa caso o Estado tivesse descumprido a lei. Agora, o STF reformulou por completo este entendimento. O ministro do STF Carlos Velloso afirmou que o STJ "ignorou, olimpicamente, os prejuízos" da empresa. "É dizer que é possível ao Estado, ao intervir no domínio econômico, desrespeitar liberdades públicas e causar prejuízos aos particulares, impunemente", explicou o ministro. Para Velloso, embora a Constituição autorizasse a intervenção estatal na economia, o exercício deste poder deveria ser ajustado "aos princípios e fundamentos da ordem econômica". Esses princípios estão no artigo 170 da Constituição: a livre concorrência e a livre iniciativa. O ministro também criticou a fixação de preços pelo estado "em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor". O ministro Joaquim Barbosa criticou a "arbitrariedade na fixação dos preços do setor pelo poder público". Ele disse que "o governo fixou preços de maneira desarrazoada". E o ministro Celso de Mello ressaltou que, ainda que a fixação de preços fosse legal na época, o estado é obrigado a indenizar as empresas. A possibilidade de intervenção do estado no setor privado não afastaria outras garantias constitucionais, como os princípios gerais da atividade econômica (livre iniciativa e livre concorrência), explicou Mello.