Título: Mortes e caos
Autor: Batista, Vera
Fonte: Correio Braziliense, 06/05/2010, Economia, p. 16

Situação da Grécia se agrava e população sai às ruas contra cortes de salários. Três pessoas perdem a vida

A crise econômica na Zona do Euro, que assusta o mundo, já resulta em revolta e mortes. Mergulhada na mais grave crise dos últimos 50 anos, a Grécia viveu ontem um dia dramático, com manifestações violentas que deixaram um saldo de três mortos, dezenas de feridos e muita incerteza. Durante toda a quarta-feira, sindicalistas, estudantes e funcionários públicos protestaram contra o governo, diante do arrocho fiscal ao qual o país terá que se submeter para receber um socorro de 110 bilhões de euros (US$ 145 bilhões) em três anos, para tentar sair do atoleiro. Duas mulheres e um homem morreram quando uma agência bancária no centro de Atenas foi incendiada por coquetéis molotov jogados por jovens com o rosto coberto por lenços ¿ quase 20 pessoas estavam no banco quando o incêndio começou. Dois prédios públicos, uma agência da Receita Federal e um edifício da prefeitura também foram incendiados com coquetéis. Os manifestantes gritavam palavras como ¿assassinos¿ e ¿queimem o Parlamento¿. Armados com bombas incendiárias, vários deles entraram em confronto com a polícia, que respondeu com gás lacrimogêneo e explosões de efeito moral. A Grécia vive um momento de greve geral, em retaliação aos aumentos de impostos e aos cortes de salários e aposentadorias determinado pelos países europeus e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que aceitaram liberar o socorro financeiro. Funcionários dos setores público e privado fecharam aeroportos, atrações turísticas e serviços. A população questiona o ônus de assumir a conta da irresponsabilidade do governo, acusado de evasão fiscal e de tolerar a corrupção. Diante do caos, o presidente grego, Carolos Papoulias, admitiu que seu país se encontra à beira do abismo. ¿É responsabilidade de todos nós não darmos um passo para o precipício¿, afirmou.

Contágio real Os problemas, porém, extrapolaram as fronteiras gregas e ameaçam engolfar Portugal, Itália, Irlanda e Espanha, conhecidos pelo acrônimo Piigs, que reúne as inicias dos países em inglês. Os investidores reagiram imediatamente, desfazendo-se de ações de empresas dessas nações. A bolsa grega recuou 3,87%, puxada pelos papéis dos bancos, que recuaram mais de 5%. No mercado de Lisboa, a perda ficou em 52%, o de Milão baixou 1,27%, o de Dublin teve prejuízo de 1,84% e o de Madri, de 2,27%. O temor dos investidores é de que as agitações políticas na Grécia impeçam o governo de reduzir o deficit público, que chega a 14% do Produto Interno Bruto (PIB) e o mesmo se repita nos demais países alvos de desconfiança. A insegurança, por sinal, se refletiu em outros segmentos do mercado, em especial no que mede o risco de calote. O índice da dívida da Grécia chegou a 800 pontos, o de Portugal bateu em 422 e o da Espanha, em 227 pontos. Com o Brasil em situação bem melhor, seu indicador cravou 134 pontos. Em reação ao desastre de ontem, o comissário de Assuntos Econômicos e Monetários europeu, Olli Rehh, disse que ¿é absolutamente essencial conter o fogo na Grécia para que ele não se torne um incêndio e uma ameaça à estabilidade financeira da União Europeia e à sua economia como um todo¿. A chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que o destino da Europa está em jogo se o resgate à Grécia não tiver êxito. Técnicos do FMI também admitiram temer que a crise se alastre. Eles criticaram os 15 governos da Zona do Euro por cobrar da Grécia taxas de juros de 5% ao ano na ajuda àquele país.

Desconfiança Para tornar o clima ainda mais beligerante, a agência de classificação de risco Moody´s revisou a nota de crédito do governo de Portugal para um possível rebaixamento. A classificação atual é Aa2, e pode cair em um ou dois degraus. A revisão da nota, que está em perspectiva negativa desde outubro de 2009, deve ser concluída em um prazo de três meses. Na Espanha, que também pode ter a sua classificação de risco diminuída, os dois maiores partidos políticos se uniram para forçar uma nova legislação para assegurar a solidez dos bancos que operam com poupança. A crise de dívida soberana da Zona do Euro ganhou tamanha dimensão, que conseguiu ofuscar até mesmo a alta no número de emprego no setor privado nos Estados Unidos. Foram abertos 32 mil postos de trabalho em abril. Para os investidores, o dado do setor manufatureiro, com 29 mil contratações, foi o mais expressivo porque segue em trajetória de alta há três meses ininterruptos. A Bolsa de Nova York caiu 0,54. Na Indonésia, a Bolsa de Jacarta tombou 3,81%. Em Cingapura, houve perdas de 3,81%, em Hong Kong, de 2,07% e em Moscou, de 3,71%. Não houve negociações no Japão, Coreia do Sul e Tailândia por ser feriado. É absolutamente essencial conter o fogo na Grécia para que ele não se torne um incêndio e uma ameaça à estabilidade financeira da União Europeia e à sua economia como um todo¿