Título: Reeleição, invenção tucana que o PSDB quer enterrar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2005, Opinião, p. A14

A bancada do PSDB na Câmara decidiu apoiar a emenda do deputado Jutahy Júnior (BA) que, se aprovada, encerraria a curta experiência brasileira de reeleição para cargos executivos. Em si, a decisão poderia ser interpretada como um mero reconhecimento do partido de que errou ao aprovar, com a ajuda de uma tropa de choque do governo tucano de FHC, um dispositivo que era avesso à cultura eleitoral do país. Mas, nas circunstâncias atuais, uma decisão dessa deve ser inscrita no rol dos casuísmos políticos que marcaram toda a vida político-eleitoral brasileira. Não se pode acusar a proposta de golpista, já que ela define a mudança apenas para o sucessor do presidente eleito em 2006. Sem direito à reeleição, ele teria um mandato de cinco anos, e não de quatro, como é hoje. Nem mesmo Lula deve tê-la considerado um atentado aos seus direitos, já que, em entrevista ontem a emissoras de rádio, afirmou: "O Brasil poderia ter um mandato de cinco anos, sem reeleição, porque assim quem está presidindo não ficaria preocupado em fazer negociações para poder se reeleger." O problema é a sobrevivência de uma prática política em que regras eleitorais são mudadas a qualquer momento, dependendo de conveniências pessoais ou partidárias. Para o público externo, as mudanças na legislação eleitoral são vendidas como a salvação do sistema político, a lei que faltava para torná-lo mais transparente ou democrático. Para as pessoas que se movem no cenário político e têm interesses pessoais nelas, a situação é outra. A emenda da reeleição, aprovada em 1997 para garantir o benefício de um segundo mandato ao então presidente Fernando Henrique Cardoso, foi anunciada como a salvação da pátria naquele momento - e, oito anos depois, o seu fim é defendido como medida saneadora. Quando foi aprovada, atendia ao interesse tucano, ao permitir a recandidatura de FHC - que dispunha de chances de ganhar as eleições, e num primeiro turno. Hoje, o fim da reeleição é visto também como alternativa para acomodar interesses do PSDB. A proposta, que conta com o apoio ativo do prefeito de São Paulo, José Serra, um dos pré-candidatos à Presidência, seria uma forma de composição com o governador de Minas, Aécio Neves - um compromisso avalizado pela Constituição de que Serra, se eleito, não se recandidataria, abrindo espaço para outro postulante em 2011. O tamanho do mandato presidencial sempre oscilou ao sabor dos ventos políticos. Somente no passado recente, ele foi de quatro, cinco ou seis anos, dependendo da conveniência do poder do momento. O Pacote de Abril do presidente-general Ernesto Geisel, baixado em 1977 pelo AI-5, com o Congresso fechado, instituía um mandato de seis anos para o general que seria empossado em março de 1979. Espremido por uma crescente insatisfação popular com o regime, Geisel garantiu assim um maior "período de transição" para a democracia. A Constituinte de 1988, já quando o governo havia sido transferido para um civil, reduziu o mandato de seis anos para quatro. Seria uma medida preventiva, capaz de minimizar as surpresas eleitorais nas primeiras eleições diretas para presidente que ocorreriam em 28 anos. Os congressistas governistas, no entanto, garantiram a exceção de um mandato de cinco anos para o então presidente José Sarney. No governo Fernando Henrique, o ministro Sérgio Motta obteve o apoio à emenda da reeleição usando métodos pouco recomendáveis. Vazaram para a imprensa gravações de conversas de deputados, comentando a "compra", por R$ 200 mil, de votos favoráveis à mudança constitucional. Existem vários poréns à reeleição. O instituto, de fato, atenta contra a cultura eleitoral brasileira, que define normas muito rígidas de desincompatibilização de cargos executivos para aqueles que querem se candidatar. A legislação estabeleceu tratamentos diferentes para candidatos ao mesmo cargo: aquele que tem a máquina administrativa a favor de sua reeleição pode continuar governando durante o período eleitoral; os demais candidatos são obrigados a sair de cargos que ocupem seis meses antes da eleição. No entanto, é preciso que se reveja a idéia, e até o hábito, de que regras podem ser mudadas sempre, de acordo com as conveniências de eventuais maiorias legislativas. Assim, não há sistema político e democracia que consigam amadurecer.