Título: No pé da curva
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 08/12/2005, Opinião, p. A15

Uma curva, alguns dirão, não tem pé. Também não tem cabeça, mas tem altos e baixos, tem montanhas e vales, em especial a curva sempre sinuosa do PIB brasileiro. No começo do ano, previa-se que a renda nacional cresceria em torno de 3,5% em 2005. Um refresco, depois dos 5,2% de expansão observados em 2004. Os meses foram passando, os juros reais subiram, marcando o compasso da valorização do real que abateu a inflação, enquanto o superávit fiscal primário seguiu superando metas e vaticínios com gastos sempre maiores compensados por extraordinários aumentos da receita. Resultado: o PIB no terceiro trimestre caiu em retração, surpreendendo até os mais pessimistas. Surpresa, a rigor, meio injustificável diante da magnitude da alta no juro real, depois de descontada a variação da inflação. A política monetária restritiva atuou com toda a sua força, fazendo sucumbir a demanda. A produção diminuiu em setembro, estoques foram desovados e agora já se sabe que o quadro não é tão ruim quanto se imaginava. Ontem, ao anunciar que a atividade industrial em outubro ficou praticamente estável com relação a setembro (alta marginal de 0,1%), o IBGE mais uma vez surpreendeu. Desta vez para melhor. Alguns analistas chegaram a prever na véspera queda de 0,7% e até de 0,8% da atividade industrial de outubro sobre setembro. Se confirmada, funcionaria como o prenúncio de uma catástrofe. Mas o PIB tenderá mais uma vez a patinar em torno de 2,2% a 2,4% no acumulado de 2005. Talvez até venha a registrar 2,5% de expansão, o que seria praticamente a metade da renda nacional gerada com o crescimento de 2004, mas ainda assim ligeiramente acima da média em torno de 2% ao ano que tem caracterizado a variação do PIB nos últimos dez anos, até o terceiro trimestre de 2005. Tende o país a voltar a cair no mesmo padrão medíocre de 1,8% a 2% de crescimento ao ano a partir de 2006? Enquanto se saúdam os resultados de queda da miséria em 2005, fruto em boa parte da vigorosa retomada do crescimento do ano passado , 2006 vai aos poucos tomando a forma de uma grande incógnita no campo econômico e não faltam motivos para isso: 1) o ano é eleitoral e segue a uma fase peculiar da política brasileira caracterizada por denúncias, mensalões, proliferação de CPI e sérios embates entre representantes dos três poderes da República.

Indicador antecedente do PIB indica processo de retomada do crescimento a partir de abril ou maio, mas juros podem atrapalhar

2) Há dúvidas sobre o que quer o presidente da República. Quer retomar o crescimento? As custas de que isso se fará? De corte nos gastos públicos? De corte mais acentuado na taxa de juros? De desova descontrolada do dinheiro que ficou "represado" com o exagerado superávit fiscal primário? De aprofundamento da valorização do real? 3) Como se comportará o capital estrangeiro diante do futuro cenário eleitoral que se desenha carregado de matizes para o ano que vem? E os investidores nacionais? Que efeitos as expectativas com a política terão sobre a atividade econômica? Obviamente, essas são perguntas para as quais não se tem respostas, apenas "desconfianças". Quando se abstrai todas aquelas conjecturas impressionistas e se fixa em algo mais objetivo e racional é possível vislumbrar melhores dias nos meses adiante. O gráfico é um exemplo do valor do senso sobre a sensibilidade. Ali está traçada a curva do indicador antecedente do PIB, montado a partir das informações contidas em certas variáveis que comprovadamente influenciam no comportamento do produto nacional. É formado por doze variáveis-insumo (ou variáveis com fatos portadores de futuro) cujas informações são capazes de refletir uma antecipação estável do futuro que se quer prever, com certo grau de confiança para pelo menos dois trimestres à frente. O indicador antecedente para o PIB tem sido assim apurado pela Consultoria Silcon há algum tempo. Sua projeção para os primeiros meses do ano que vem sugere novo processo de retomada mais acentuada do crescimento com sinais já a partir de abril ou maio. "Não sabemos ainda com que intensidade isso ocorrerá", comenta Cláudio Contador, da Silcon Consultoria, lembrando que dois episódios podem atuar juntos com efeitos contrários. Um é a alta taxa de juro real, que afeta negativamente o comportamento da atividade econômica seja quando contrai a demanda a prazo mais curto, seja quando contribui conseqüentemente para desestimular os investimentos produtivos. O outro episódio tem origem nas confusas e conturbadas contas do setor público brasileiro, que estão anos-luz distantes da transparência. Afinal, o que fará o governo com o "polpudo" colchão que armazenou este ano na forma de superávit fiscal primário? Sairá gastando a torto e à direito? Se a resposta for positiva, a que especificamente serão destinados esses recursos? De novo, só se consegue enxergar o escuro. Resta esperar que não tomem o rumo do financiamento à campanhas políticas ou do reforço de caixa de partidos políticos.