Título: O problema não está nos números do IBGE
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2005, Brasil, p. A2

Na quarta-feira, em entrevista para emissoras de rádio, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, defendeu a atual política econômica. "Nós estamos provando que é possível crescer com uma inflação baixa." A defesa segue o primeiro raciocínio feito pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, quando falou da queda do Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre. "Esse é o custo da política monetária, mas em compensação temos uma inflação dois pontos percentuais menor", argumentou. Mais forte que a defesa, contudo, parece ser a torcida para que o país cresça pelo menos 3% este ano. Segundo o jornal "Folha de S. Paulo", Lula disse à cúpula do PMDB que o o PIB do terceiro trimestre será revisado e a queda de 1,2% cederá para um percentual entre menos 0,8% e menos 0,9%. Tal revisão, segundo o presidente "festejou" com os peemedebistas, permitiria ao país encerrar o ano com o PIB de 3%. O presidente deveria ouvir economistas que sabem, de fato, como se calcula o PIB. Ele poderia perguntar para os próprios técnicos do IBGE. Se o PIB do terceiro trimestre for revisto para menos 0,8%, o PIB do quarto trimestre deverá crescer robustos 2% sobre o terceiro trimestre para que os 3% sejam alcançados. "É um resultado mais que excepcional. Raramente a economia chegou a esse percentual de crescimento de um trimestre para o outro. Para ele virar realidade, o quarto trimestre deveria ter tido um ritmo muito acelerado", observa Sergio Vale, da MB Associados. E é bom lembrar: só faltam 20 dias para acabar o quarto trimestre. Alguém viu a economia "bombar" nos últimos 70 dias? A última vez em que o Brasil alcançou tal desempenho (2% de um trimestre para outro com ajuste sazonal) foi na virada do primeiro para o segundo trimestre de 1998, quando uma alta de 2,08% sucedeu uma "despencada" de 1,8%. Mas aquela recuperação já começou no primeiro mês do trimestre: em abril daquele ano, a produção industrial foi 0,85% maior que a de março, já com ajuste sazonal. Agora, o quarto trimestre começou no mesmo nível em que terminou o terceiro: a indústria (40% do PIB) registrou alta de apenas 0,1%. Lula não deveria buscar, nos números, um crescimento que não aconteceu. Ele deveria se dedicar, agora, à discussão do tamanho do custo que sua política monetária impôs à economia, e o que compõe esse custo. No início do ano, as projeções colhidas pelo BC apontavam que a média dos economistas do mercado esperava uma inflação de 5,75% para 2005, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA). A inflação, agora, está projetada em 5,63%: apenas 0,12 ponto inferior ao estimado no início do ano. O PIB era estimado em 3,62%, e agora a média das previsões projeta a alta em 2,66%: uma perda de um ponto percentual. Outro jeito de olhar é ver o que aconteceu, de fato, com o PIB em 2004 e este ano. O crescimento de 4,9% do ano passado cedeu para algo perto de 2,5% - queda real e concreta de 2,5 pontos percentuais. A alta do IPCA foi de 7,6% no ano passado, e este ano o índice vai fechar próximo a 5,6%: a redução de dois pontos citada por Palocci. Quase um por um: cortar um ponto de inflação custou um pouco mais que um ponto de PIB.

Revisão para menos 0,8% não eleva PIB do ano a 3%

A política de juros extremamente altos, perseguindo uma inflação que apenas beirou a demanda, derrubou pela metade o crescimento de 4,9% do ano passado. Simples assim. E o Copom elevou os juros porque queria controlar a demanda, caminho indireto para refrear aumentos de preços, consequência de uma economia que cresce acima do que sua capacidade instalada pode produzir (em economês, acima do seu produto potencial). Bom, o Banco Central começou a elevar os juros porque a economia dava sinais de crescer acima do seu potencial. E o que aconteceu após 12 meses de juros em alta? Não há sinais consistentes na economia de que o investimento cresceu de tal forma a aumentar o potencial de crescimento da economia. Máquinas foram compradas, uma ou outra fábrica nova foi erguida, ajustes produtivos foram feitos. Mas em uma dimensão muito inferior à necessária. E se começarmos a crescer de novo acima de 3,5% ou 4% em 2006, o que fará o BC? O que fará o governo? O governo só conseguiu tomar medidas concretas para elevar o investimento - e assim elevar o potencial de crescimento da economia - 14 meses após a primeira alta na taxa Selic. A "MP do Bem" foi lançada em junho, patinou muitos meses no Congresso e só foi aprovada e sancionada em dezembro. Nesse meio tempo, fábricas fecharam. Como noticiado no Valor, a gaúcha Azaléia fechou uma fábrica e demitiu 800 pessoas, porque os calçados que produz perderam competitividade no mercado externo em função do câmbio depreciado. A queda do dólar também ajuda a explicar a decisão da Bunge Fertilizantes de fechar sete de suas 35 unidades misturadoras de adubos e dispensar 400 funcionários. No jogo juro muito alto-real valorizado-imposto menor, o que pesa mais para a empresa que exporta? Será que os benefícios da "MP do Bem" compensam a queda de 13% na rentabilidade média das exportações ao longo do ano, segundo cálculos da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior? Será que o juro real de 12% compensa a alíquota menor para aquisição de bens de capital? O que está errado não são as contas do IBGE, ainda que críticas pertinentes sejam feitas por economistas que acompanham o nível de atividade, e que a instituição precise continuar (como tem feito) a aperfeiçoar seu trabalho. O que está errado é que a política econômica do governo Lula é incoerente: o que é bom (medidas de desoneração de impostos) se perde no conservadorismo exacerbado de uma diretoria de Banco Central que não teve a humildade de reconhecer que exagerou na dose e ainda tentou passar a culpa adiante.