Título: Doha acaba se UE não fizer outra oferta, diz Hugueney
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2005, Brasil, p. A5
Se a União Européia (UE) não fizer nova oferta agrícola, a Rodada Doha não será concluída. É a posição do G-20, o grupo liderado pelo Brasil, que chega a Hong Kong preparado para barganhar, a fim de desbloquear a negociação. O embaixador brasileiro, Clodoaldo Hugueney, ainda diz preferir acreditar que a conferência de Hong Kong permita algum avanço, porque se o bloqueio continuar até abril, a rodada vai estar comprometida de vez. A seguir, os principais trechos de sua entrevista:
Valor: O que se pode esperar da conferência de Hong Kong?
Clodoaldo Hugueney: Há uma dificuldade grande e não vai se negociar questões centrais. Ficam para depois. Mas é possível melhorar a declaração ministerial, que mal ou bem cria uma base de negociação. Podemos tentar incluir datas para acabar com subsídio à exportação, por exemplo. Outra coisa é a aprovação de um conjunto de medidas em favor dos países mais pobres, o que já deveria ter sido feito há muito tempo. Mas o que vai ser aprovado está longe de esgotar a temática de desenvolvimento. O terceiro componente é claro: precisamos sair com um programa de trabalho muito preciso, fixando prazos muito curtos para chegar a modalidades (tamanho dos cortes de subsídios e tarifas agrícolas e industriais). O G-20 propôs o princípio de abril como limite. Se não, será impossível concluir a rodada no fim do ano que vem.
Valor: O que levaria a União Européia a fazer até abril concessões que não faz agora?
Hugueney: O Conselho Europeu estará se reunindo exatamente no período final da conferência de Hong Kong e um dos temas é a reforma orçamentária. Se houver decisão que implique modificação na Política Agrícola Comum, pode abrir espaço para a UE fazer corte de programas de subsídios e melhorar acesso ao mercado (tarifas, cotas). Mas as propostas da presidência inglesa (de corte nas despesas agrícolas) não estão tendo, aparentemente, grande apoio.
Valor: O avanço na rodada depende basicamente dos europeus?
Hugueney: O que está claro é que se a UE não melhorar sua oferta agrícola, não há como avançar nas outras áreas. Todo mundo reconhece que a agricultura é o motor da rodada, que se as negociações não caminharem nessa área, não caminham em outras; que agricultura está intimamente ligada ao desenvolvimento, e que a parte que necessita de maiores avanços é o acesso ao mercado. E nesse pilar, o único membro que fez uma proposta insuficiente foi a UE.
Valor: Se não houver algum acordo até abril, a rodada fracassa?
Hugueney: Bom, aí ficará difícil manter a credibilidade da negociação. Já temos uma sucessão de prazos não cumpridos. E agora estaremos sob a pressão da expiração do TPA (Autoridade de Promoção Comercial, também conhecido como "fast track") nos Estados Unidos e início do debate sobre a lei agrícola americana no Congresso. Temos até o princípio de 2007 para colocar um acordo na mesa, para dar tempo que o Congresso americano debata e aprove até junho. Se não, a rodada só vai terminar no longo prazo.
Valor: O que o Brasil ganhou até agora nessa negociação?
Hugueney: Pode-se dizer que não se conseguiu nada, porque tudo é ainda sujeito a aprovação, pode não se materializar. O que há é um framework (conceitos) e agora a declaração ministerial de Hong Kong, que se aprovada vai adicionar uma coisinha.
Valor: O diretor da OMC, Pascal Lamy, insiste que os ganhos em agricultura já são importantes e cobra concessões do Brasil
Hugueney: Não vejo que o que está sobre a mesa justifique outros movimentos do Brasil, em produtos industriais ou serviços. O que valem as ofertas que estão na mesa? Primeiro, não são finais. Podem desaparecer a qualquer momento. A UE fez alguns movimentos importantes em apoio doméstico, mas condicionados a não ter resultado em acesso, a não ser os cortes tarifários que colocou na mesa, além de vincular tudo a demandas mirabolantes e inaceitáveis. Se a UE não fizer uma proposta mais ambiciosa em acesso ao mercado, os EUA não mantêm sua proposta em apoio doméstico. E tudo vai caindo para ganhos cada vez menores. A única coisa que existe é o acordo para acabar com subsídios à exportação agrícola, mas que também pode desaparecer. Porque se não houver paralelismo (para eliminar subsídios embutidos em crédito à exportação, ajuda alimentar etc.), esse acordo político que existe não vai se materializar.
Valor: O nível de ambição da rodada diminuiu?
Hugueney: Não. O que se fez foi, não conseguindo concordar, empurrar as coisas para frente. Estamos nisso há algum tempo. Hong Kong é a terceira ou quarta recalibragem (na rodada). Mas ainda acho que podemos concluir a rodada em 2006. O G-20 está preparado para negociar. Se o outro lado estiver pronto para negociar, estaremos prontos.