Título: ONGS chegam divididas, mas planejam "barulho"
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2005, Brasil, p. A5

As Organizações Não Governamentais (ONGs), atores incontornáveis hoje nas negociações comerciais, prometem fazer grande barulho em Hong Kong. Mas, a exemplo dos países, chegam divididas sobre os rumos da Rodada Doha. Estimativas iniciais apontam que 10 mil manifestantes podem acompanhar a conferência em Hong Kong. Entidades consideradas liberais, como a Oxfam, pedem avanço nas negociações, acreditando que isso pode trazer um resultado importante para as nações em desenvolvimento. Já a Focus on the Global South, Action Aid, Coordenação Sul e muitas associações asiáticas dizem não à OMC e torcem pelo fiasco da Rodada Doha, porque acham que dela só pode sair um acordo ruim para países em desenvolvimento. "Tampouco queremos acordo ruim, mas a pressão deve ser mantida sobre os países ricos para eles não quebrarem suas promessas", diz Amy Barry, porta-voz da Oxfam. "A alternativa à OMC para os países pobres não é atraente: bilateralismo, maior pressão a concessões e sistema comercial menos democrático", argumenta Amy. "A Oxfam quer fazer crer, como o Banco Mundial, que mais justiça social passa por mais liberalização", reclama a francesa Coordenação Sul, que defende o direito dos países de "se protegerem" restabelecendo altas barreiras comerciais. O confronto entre as ONGs aumentou recentemente, quando Walden Belo, professor e reputado ativista filipino, da Focus on the Global South, criticou publicamente a Oxfam, dizendo que essa entidade não deveria arvorar o nome da sociedade civil quando defende suas causas ditas liberais. O fato é quem dá o tom é a Oxfam, uma "formidável multinacional de solidariedade", na formulação do jornal francês "Figaro". Seus "gastos operacionais" no ano passado chegaram a US$ 402 milhões, excluindo a Oxfam dos EUA. Esse valor é três vezes maior do que o orçamento da Organização Mundial do Comércio (OMC). A Oxfam Internacional tem 4 mil funcionários, 30 mil voluntários e recebe boa parte do dinheiro que custeia sua atuação de doações públicas. O governo holandês canaliza entre 60% e 70% de seu pacote de cooperação a países pobres através da afiliada da Oxfam no país. Na Austrália, Canadá e Grã-Bretanha, entre 20% e 30% do dinheiro vêm de fontes governamentais. Só nos EUA, a Oxfam não recebe um centavo do governo. Na Europa, "em situações de emergência" instituições da Comissão Européia dão também dinheiro para essa ONG. Para Hong Kong, a Oxfam está levando uma petição com mais de 10 milhões de assinaturas, a maior parte de pessoas de países em desenvolvimento, que entregará ao diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, pedindo a modificação das "regras injustas" do comércio internacional. Com sua campanha Grande Barulho (Big Noise), a Oxfam e seus parceiros querem assegurar que a "voz dos países mais pobres seja ouvida". As autoridades chinesas temem um "excesso de protestos" em Hong Kong a partir deste final de semana. E na pura tradição chinesa, restringiram áreas de manifestação, oficialmente para evitar violências. Entre as próprias ONGs, a inquietação se concentra em torno de agricultores da Coréia do Sul, que têm uma sólida reputação de ações violentas. Um agricultor se suicidou recentemente durante o fórum Ásia-Pacifico protestando contra a importação de arroz. Na conferência ministerial de Cancún, em 2003, outro agricultor coreano se matou também em protesto.(AM)