Título: A quem pode interessar a convocação extraordinária
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2005, Opinião, p. A10

G overno e oposição ensaiam nova queda-de-braço, dessa vez em torno da convocação extraordinária do Congresso. Interesses eleitorais dos dois lados se sobrepõem, mais uma vez, ao interesse público. De um lado, o governo - em particular o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - entende que um recesso de 23 de dezembro a 15 de fevereiro do próximo ano pode esvaziar a crise que se alimenta de comissões de inquérito e processos contra parlamentares petistas na Comissão de Ética. Pela mesma razão a oposição deseja a convocação: dois meses de recesso seriam um jato de água sobre uma fogueira que não tem interesse de arrefecer. Crises políticas decorrentes de escândalos têm que ser alimentadas diariamente, ocupando mídia e todos espaços políticos disponíveis. Dois meses sem holofotes subtrairia à oposição a visibilidade que as trapalhadas do PT e do governo lhe proporcionou. O espetáculo ao vivo das CPIs tornou tão conhecidos alguns rostos que interromper essa superexposição por 54 dias é quase desconstruir imagens forjadas de salvadores da moral e dos bons costumes. Esses rostos, em outubro próximo, no mínimo reforçarão os votos desses partidos, aumentando suas bancadas no Congresso. Uma coisa, no entanto, oposição e governo concordam: a convocação extraordinária é impopular, devido ao reforço de caixa que proporciona aos deputados e senadores. O trabalho extra dos parlamentares daria a eles mais dois salários no final do ano, além dos seis que eles recebem no período. E, apesar de todo esforço da oposição de jogar a crise de credibilidade exclusivamente nas costas do PT e de seu governo, ela atinge em cheio o Legislativo. O escândalo envolveu dezenas de parlamentares e tem chances de chegar na carótida de outros tantos, se as investigações não se restringirem ao governo Lula. Os eleitores não estão inseguros apenas com os votos que darão ao próximo candidato a presidente. A descrença atinge profundamente opções de voto nos deputados e senadores. Especialistas já prevêem que, em 2006, haverá um grande número de abstenções nas escolhas para o Congresso. Nas contas da oposição, no entanto, qualquer perda política decorrente de uma convocação extraordinária seria compensada pela possibilidade de não dar férias à crise, nem ao presidente Lula. Como a convocação é pensada para atrapalhar o governo, não para ajudar o país, a queda-de-braço se estende à agenda parlamentar no período de férias. É certo, ela permitiria o funcionamento não apenas das CPIs - que poderão continuar se reunindo sem receber a mais por isso mesmo se houver recesso -, mas da Comissão de Ética. Fora isso, estão na lista dos desejos da oposição a votação do fim da verticalização eleitoral, a reforma tributária (que, sem acordo depois de anos de tramitação, tem chances zero de ir a plenário), a Super-Receita - que o Congresso não votou enquanto tramitava como medida provisória - além de outros projetos. No Senado, outros tantos. Na lista de nenhuma das casas conta, no entanto, a votação do Orçamento do ano que vem. Se não for aprovado até 31 de dezembro - e enquanto isso não acontecer no decorrer de 2006 - o Executivo terá de gerir mensalmente parcelas de 1/12, o que suprime a possibilidade de fazer investimentos em obras no início do ano. O Orçamento, portanto, entrou no jogo eleitoral. "Não tem porquê votar esse Orçamento. O governo transformou o Orçamento num instrumento de barganha. Não tem uma única obra estruturante", disse o líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA). Lula, por sua vez, planeja botar a boca no trombone caso o Congresso impeça o "espetáculo do crescimento" planejado para o início do ano que vem, que ajustaria a taxa pífia de crescimento do PIB colhida em 2005 às exigências do ano eleitoral. A política brasileira, portanto, termina o ano como o manteve nos últimos nove meses: as partes em conflito subiram no palanque e se esqueceram que foram eleitas em 2002 para governar - não para instrumentalizar a política para disputar uma nova eleição em 2006. Seus mandatos existem e lhes foram conferidos legitimamente para que agissem no interesse do país. Uma convocação extraordinária, ao que tudo indica, não restituiria ao brasileiro o que ele teve suprimido de políticas públicas devido a paralisia política. O povo pagaria dois salários extras aos parlamentares para que eles alimentassem o seu show eleitoral nas férias.