Título: O Brasil está ficando para trás?
Autor: Armando Castelar Pinheiro
Fonte: Valor Econômico, 09/12/2005, Opinião, p. A11

Dezembro é época de descobrir a bola de cristal e especular sobre o que nos reserva o ano novo. Esse exercício, que sempre exige arte e conhecimento, ficou mais complicado este ano, com a inesperada força com que o PIB caiu no terceiro trimestre, aumentando a incerteza de como e quanto se irá crescer em 2006. De acordo com o Ipea, o PIB aumentará 2,3% e 3,4%, neste e no próximo ano, respectivamente, trazendo o crescimento médio anual em 2003-06 para 2,8%, pouco mais que os 2,5% de 1991-2002. Isso parece confirmar a estimativa de que nas condições atuais o crescimento potencial da economia brasileira não passa muito de 3% ao ano. O fraco desempenho de 2003-06 traz uma preocupação adicional: ele se dá em um ambiente de grande liquidez internacional, sem crises de financiamento externo e com a economia mundial experimentando o seu melhor momento em décadas. Nesse quadriênio, o PIB mundial deverá subir 4,4% ao ano, contra 3,2% ao ano em 1991-2002. Portanto, o ritmo de encolhimento da participação do Brasil no PIB mundial passou de 0,7% ao ano em 1991-2002 para 1,6% ao ano em 2003-06. Outros indicadores confirmam que o Brasil está ficando para trás na corrida do desenvolvimento. A McKinsey estima que em menos de dez anos a produtividade do trabalhador brasileiro passou de 22% para 18% da do seu correspondente americano. O estoque de capital do país, que aumentou 1,8% ao ano entre 1991-2002, deve se expandir apenas 1,3% ao ano em 2003-06. O crescimento da população em idade ativa (15 e 60 anos) passará de 2,1% ao ano em 1991-2005 para 1,2% ao ano em 2006-2020. Esses indicadores sugerem que, controlando para o efeito do cenário externo, o potencial de crescimento da economia brasileira pode estar diminuindo. A comparação com o resto do mundo também evidencia a falta de uma estratégia para reagir à lentidão do nosso crescimento. Temos feito, claro, reformas pontuais, mas essas se destinam a resolver crises mais urgentes e não são coordenadas e às vezes sequer consistentes entre si. Olhando para as experiências dos países com melhor desempenho em anos recentes, como Chile, Irlanda, China e Índia, vê-se que uma boa estratégia de desenvolvimento para o Brasil seria explorar as suas duas principais vantagens comparativas: os seus recursos naturais e a alta capacidade empreendedora do brasileiro. Acima de tudo, é preciso liberar o potencial produtivo do setor privado, livrando o Estado dos grupos rentistas que vivem de seus favores. Para isso, essa estratégia deveria ter como principais pilares: trazer a carga tributária de volta para o patamar de 25% do PIB observado em 1969-1993, contra atuais 36,5%; reduzir o custo de capital para todos os empreendedores, e não apenas para as grandes empresas e fazendeiros beneficiados por subsídios públicos; melhorar a infra-estrutura de transporte; elevar significativamente o nível educacional da força de trabalho; e diminuir a insegurança pessoal, patrimonial e jurídica que caracteriza o país. Obviamente, é mais fácil identificar problemas do que corrigi-los. Nesse sentido, o que preocupa não é a falta de soluções imediatas, mas sim estarmos caminhando na direção errada.

Sem um plano de contenção dos gastos públicos correntes não há como acelerar o crescimento do país de forma sustentada

Essa estratégia depende diretamente de se reduzir a razão dívida pública líquida/PIB em cerca de um terço, dos atuais 52% para cerca de 35%. Para isso é preciso cortar os gastos primários correntes, que aumentaram em 5,2% do PIB entre 1994 e 2004. Não é isso que está ocorrendo: a dívida permanece estável como proporção do PIB, a despeito do ganho resultante da apreciação cambial, e o gasto corrente do governo sobe com força, na esteira de mais uma elevação da carga tributária. Os gastos de custeio (passagens, consultorias etc.) da União, por exemplo, aumentaram mais de 20% nos primeiros dez meses de 2005. Não dá para falar em arrocho de gastos quando estes aumentam nesse ritmo. A situação é mais crítica, porém, do que sugerem esses números. Em grande parte, os gastos públicos correntes vêm subindo por conta de um aumento das despesas com a seguridade social, que estão 6% do PIB acima do que seria razoável dada a estrutura etária da nossa população. Na ausência de uma ampla reforma, esses gastos subirão mais, com o envelhecimento da população - o grupo etário de 61 anos ou mais crescerá 3,7% ao ano nos próximos 15 anos - e novos aumentos reais do salário mínimo. Sem um plano de contenção dos gastos públicos correntes, portanto, não há como acelerar o crescimento de forma sustentada. E, em tempos recentes, a única proposta nesse sentido foi abatida, em solo, pelo chamado "fogo amigo". Em outras áreas também se observa uma involução ou pelo menos uma incapacidade de reação. A nossa infra-estrutura de transportes se deteriora a olhos vistos, principalmente as estradas. No setor elétrico estima-se que o risco de racionamento só foi afastado em função do baixo crescimento; e em saneamento continua-se sem um marco legal. As PPPs não decolaram. O hiato entre a escolaridade média no Brasil e em países que concorrem mais diretamente conosco no comércio internacional está aumentando. Além disso, a política educacional foi recapturada pelos interesses das universidades e deixou-se de priorizar a educação básica: em que pesem alguns progressos pontuais, as perspectivas do Brasil na área educacional continuam ruins, com a má alocação de gastos e seu crescente comprometimento com aposentadorias de professores. Em relação à segurança, o quadro não é melhor - o Brasil padece de um quadro de insegurança crescente, nas três dimensões sublinhadas acima. Somando-se tudo isso, vê-se que há muito mais por trás do fraco desempenho do PIB do que eventuais excessos do Banco Central na gestão da política monetária. Se não for capaz de mobilizar-se em torno de uma estratégia que vá além da necessária, mas insuficiente, contenção da razão dívida pública/PIB, o Brasil pode acabar seguindo o caminho de lento retrocesso econômico já experimentado por alguns de nossos vizinhos latino americanos. Isso geraria um ambiente com alto risco de resvalar para o populismo. Nesse rumo, como foi colocado, o Brasil periga passar de economia emergente para submergente.