Título: 2006: razões para algum otimismo
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2005, Brasil, p. A2

Começou a temporada de previsões sobre o comportamento da economia em 2006. Em geral, elas são pessimistas. Ninguém espera o caos, mas, depois do que aconteceu com o PIB no terceiro trimestre, as apostas são de que a taxa de crescimento será mais uma vez medíocre. Em meio a tanto ceticismo, há quem aposte num ano bom. Francisco Lopes, ex-presidente do Banco Central, está no grupo dos otimistas. Ele acredita que, em 2006, a economia brasileira voltará a crescer acima de 4%, com inflação baixa. Lopes tem crédito. Foi um dos primeiros a enxergar, ainda nos primeiros meses de 2004, quando prevalecia o pessimismo no mundo econômico, que o PIB estava em processo de retomada. Lopes estava certo. No ano passado, o PIB cresceu 4,9%. Quando tudo apontava para mais um ano bom em 2005, uma série de fatores frustrou as expectativas. O ex-presidente do BC cita as quatro razões que levaram a isso - acumulação excessiva de estoques, juros altos, crise política e apreciação do câmbio - para mostrar que a situação agora é favorável em todas essas frentes. Lopes lembra que poucos analistas se deram conta de que o otimismo de 2004, aliado a pressões de alta nos preços de matérias-primas, levou as empresas a aumentarem seus estoques de forma pouco usual. "Houve um efeito que eu chamaria de ciclo de estoques, um fenômeno estrutural que acontece na economia", explica Lopes. "Em 2004, houve um otimismo muito grande. Os estoques aumentaram vertiginosamente, principalmente, na área de bens intermediários. No fim do ano passado, o índice de estoques (da CNI) foi ao pico." É verdade que a tradicional pesquisa Sondagem da Indústria, feita pela Fundação Getulio Vargas sob a coordenação do economista Aloísio Campelo Jr., chamou a atenção para o fato. Fez isso no momento em que o país comemorava a divulgação do crescimento surpreendente do PIB no segundo trimestre - 6% (taxa anualizada). Talvez, por isso mesmo, ninguém quisesse ver naquele momento que a indústria estava em marcha lenta. "Um índice composto por seis perguntas da Sondagem, ajustado sazonalmente, esteve em queda a partir de outubro de 2004 e até julho de 2005. Em julho passado, as empresas estavam muito estocadas e com previsões pouco favoráveis para o trimestre seguinte", conta Campelo Jr. Quando começou 2005, o cenário mudou bastante. O BC aumentou os juros, ficou claro que a economia não ia continuar crescendo, os preços das commodities se estabilizaram e os consumidores de bens intermediários (de matérias-primas) estavam superestocados. "Então, eles pararam de comprar", diz o ex-dirigente do BC. A produção de vergalhões, que são usados na construção civil, caiu 15% no primeiro semestre, apesar de a construção civil continuar aquecida.

Para Lopes, PIB terá expansão de mais de 4%

"A grande surpresa negativa da produção industrial neste ano são os bens intermediários, que devem fechar o ano com crescimento de apenas 1%. Um resultado anormal, muito abaixo do PIB. Em 2004, a expansão foi de mais de 6%", observa Chico Lopes. Agora, ele sustenta que o efeito-estoque, que ajudou na desaceleração de 2005, desaparece em 2006. A produção de vergalhões, para ficar em apenas um exemplo, está crescendo mais de 20% neste trimestre. Outra razão para algum otimismo em 2006 são os juros, que estão caindo. Nesse ponto, Chico Lopes faz uma crítica construtiva à política monetária. Ele acha que, de fato, o Banco Central fez uma opção "muito conservadora". "No regime de metas, precisa ficar mais claro em que situações o BC deve tentar buscar o centro da meta. Quando a economia sofre um choque inflacionário, o BC talvez não devesse buscar o centro da meta imediatamente", sugere Lopes. "É verdade que a inflação de 2005 vai acabar sendo 5,7% ou 5,8% (a meta ajustada é 5,1%). Poderia ser 6,5%. E aí o BC poderia ter aumentado menos os juros, o que teria levado a uma apreciação menor do câmbio." O economista recomenda que, no diálogo com o BC, o Ministério da Fazenda deixe claro o que ela quer. "O BC é só operador. Tem que ser independente para operar, não para definir metas", comenta. É fato que, dadas as vicissitudes do governo petista, e mais recentemente aos arroubos populistas do presidente, só resta à Fazenda e ao próprio Banco Central adotar uma postura defensiva. Outro efeito desacelerador da economia em 2005 foi a apreciação cambial. No ano que vem, prevê Lopes, o real deve sofrer alguma desvalorização, até pela insegurança política provocada pela eleição. Há riscos imponderáveis. Um deles é a possível ascensão de Anthony Garotinho ou de um candidato da extrema esquerda. O PT, com sua diatribe contrária à política econômica, também pode ajudar o tornar o ambiente menos previsível. "A eleição pode ser ruim para as decisões de investimento, mas provavelmente será boa para pressionar o dólar para cima", diz Lopes. "Vamos ter uma certa instabilidade financeira. Isso é inevitável." Chico Lopes diz que a inflação, por sua vez, não deverá ser um obstáculo ao abrandamento da política monetária. A Petrobras, lembra ele, está sinalizando que não aumentará os preços dos combustíveis em 2006. O IGP, índice de inflação que capta os preços no atacado, está em queda. O setor de telefonia corrigirá suas tarifas no próximo ano, levando em conta, pela primeira vez, cláusulas de produtividade. "A minha previsão de inflação para 2006 já é abaixo de 4%, com o dólar nesse nível ou subindo um pouquinho", calcula. Uma dúvida importante para o cenário otimista imaginado por Chico Lopes é o comportamento do setor de bens de capital (máquinas e equipamentos), que reflete as decisões de investimento do setor produtivo. "Aí, é mais difícil ter certeza. A insegurança gerada pela crise política em 2005 certamente afetou as decisões de investimento, mas já havia uma desaceleração no ano todo", explica. Ele lembra, no entanto, que a crise política, embora tenha enfraquecido o governo, não o inviabilizou.