Título: Quanto mais confuso, melhor
Autor: Rosângela Bittar
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2005, Política, p. A5

A sensação mais freqüente que nos assoma à pele a cada vez que o PT aprova uma resolução, divulga uma nota oficial ou seu presidente se manifesta é a de que estamos assistindo a um permanente elaborar e desfazer dos mesmos fatos políticos, sem sair do lugar. A construção surge com grande barulho, estridência igual àquela que se ouve na destruição. O processo, que praticamente virou um método de trabalho do partido, se repete integralmente no governo. Aí, porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta, pelo menos, amarrar bem a balbúrdia, por intermédio do discurso. Faz de uma forma que possa faturar como obra sua o que for bom, jogando no balaio da oposição a culpa pelo que for ruim. O saldo será levado à campanha da reeleição, em 2006, para a qual os temas já estão todos escalados. O governo acha, por exemplo, que faz com o Bolsa Família um inédito e maior programa de renda mínima do mundo, e este programa foi o responsável pela redução da desigualdade social apontada na recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad). É o que basta para sustentar meia campanha, e os políticos petistas já se mobilizam em torno disso. Por ciúme ou por despeito, na concepção do presidente, a oposição não reconhece este resultado. E por uma associação estapafúrdia, mas feita com muita freqüência, acha Lula que a imprensa também não. Se a oposição passa meses destacando suas semelhanças com o presidente venezuelano Hugo Chávez, que são realmente impressionantes, Lula espera um momento em que aparecerá muito próximo e solidário a Chávez, como na última reunião do Mercosul, no Uruguai, para, de maneira extemporânea, associar a oposição brasileira à Fedecamara venezuelana, que define como golpista. Se ninguém entende o processo mental por onde circulou a relação de causa e efeito, não importa. O maior programa de bolsa do planeta e o golpismo da oposição servirão aos objetivos do governo: a campanha da reeleição de 2006. Serão martelados à exaustão. Assim como ocorrerá com os programas muito falados e pouco realizados, como a Transnordestina (a pedra fundamental deve bastar), a transposição do São Francisco, a recriação da Sudene e outras mágicas encomendadas para atrair eleitores da região Nordeste. O presidente é obstinado, e a interrupção do andamento do projeto de transposição, provocada pela greve de fome do bispo Luiz Cappio, foi só um fugaz percalço. O ministro responsável pela execução, Ciro Gomes, fez reuniões com a CNBB, os políticos estão levando dom Cappio para falar com Lula, e encerra-se desta forma a celeuma, no mais tardar dentro de dois dias. O Palácio do Planalto já está anunciando, nesta semana, a conclusão das "discussões" sobre o projeto, que o ministro da Coordenação Política, Jaques Wagner, prometera ao bispo sustar. E, o que importa, assegurando para janeiro o início das obras. Que, mesmo que não comecem, terão o efeito desejado. Vai o governo, destas forma, tocando os assuntos, não os programas, que servirão aos discursos de palanque. O que fica pelo caminho não serve à meta, claudicou não por responsabilidade do governo ou do PT. Aconteceu por golpismo da oposição, ou por oposicionismo da imprensa.

Berzoini dá ao PT suas trapalhadas ministeriais

O modelo não surgiu agora, quando o fim do ano autoriza definir o período como de pós-crise. Seria uma fase em que governo e partido se dedicariam a recuperar-se da ressaca moral e fazer tentativas de levantar a cabeça para serem levados novamente a sério como alternativa de poder no ano que vem. Alguns intelectuais que já foram do PT, como o senador Cristovam Buarque, por exemplo, já vaticinavam, ainda em meados do ano, que o PT demoraria a se recuperar por duas razões: a crise moral levou o partido a mergulhar mais ainda na introspecção e, em segundo lugar, demoraria de seis a dez anos para se inventar de novo o petismo. Só a partir daí o PT teria condições de ter um projeto de Nação. Não é isto que o novo presidente do PT, Ricardo Berzoini, parece estar perseguindo. Desde que passou a integrar a cúpula do PT, primeiro como secretário-geral, depois como seu presidente, o ex-ministro levou para o partido o método confuso que lhe aplicou rasteiras nos ministérios da Previdência e do Trabalho, e repete este governar à toa que caracteriza a administração Lula. A cada manifestação sua, uma trapalhada se instala, a título de providenciar uma reorganização do universo petista. Berzoini conduziu o processo de depuração da cúpula partidária, envolvida em irregularidades, evitando punições; para ser candidato a presidente, aceitou a presença de José Dirceu na cúpula, desafiando o candidato do Planalto e ex-ministro Tarso Genro, que o presidente Lula escalou no seu plano B, para ungi-lo candidato caso decida não concorrer à reeleição. São desconhecidos os princípios, critérios e argumentos que movem a ação do presidente do PT. O que se sabia, até o último fim de semana, é que está no seu papel tirar do partido que agora preside e transferir à oposição a responsabilidade pela crise política, buscando similitude, de preferência no PSDB, das irregularidades praticadas pelo PT. Este exercício de exorcismo, por mais simplório que pareça, seria o início da reconstrução. Na última reunião do Diretório Nacional, sábado, Berzoini confundiu a todos. Levou o partido, com seu voto de desempate, a dar uma guinada para a oposição ao governo Lula. Depois de ter sido o porta-voz da largada da campanha de reeleição, Berzoini, cotado para ser o novo José Dirceu, sacramentou a resolução anti-governo que foi muito mal recebida no gabinete presidencial. Ou o presidente do PT está levando seu partido a fazer o que sabe fazer bem, que é oposição, porque foi assim que chegou ao poder, ou, seguindo o modelo do presidente da República, está conduzindo uma recuperação de faz de conta, por um processo de brincadeira, para elaborar um projeto-fantasia e jogar para confundir, chegando em 2006 ao país das maravilhas.