Título: Senado e Câmara divergem sobre recesso
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2005, Política, p. A7

Crise Insatisfação com distribuição de recursos impede acordo que viabilizaria votação do Orçamento em dezembro

A pressão do Senado sobre a Câmara e interesses políticos distintos de oposicionistas e governistas devem levar à auto-convocação extraordinária do Congresso possivelmente a partir de 9 de janeiro de 2006. Os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Aldo Rebelo, adiaram o anúncio para hoje, pois a posição dos líderes nas duas Casas é diferente. Enquanto a maioria dos senadores quer o funcionamento no Congresso em janeiro e fevereiro de 2006, os deputados dividem-se: um grupo teme um desgaste ainda maior da classe política pelo fato de o trabalho render mais dois pagamentos extra a cada um deles em menos de 50 dias de trabalho; outra parte dos parlamentares quer adiar a conclusão dos processos de cassação na Casa, apostando no arrefecimento da crise durante o recesso. Há ainda na Câmara os partidos que defendem abertamente a convocação - PFL e PSDB - para manter a crise na ordem do dia. Os líderes do governo tentaram negociar ontem com a oposição a seguinte proposta: se o Orçamento Geral da União fosse votado até o dia 29, a convocação seria apoiada pela base. A oposição não deu trégua. Reivindicações específicas de Estados, como Rio de Janeiro, Sergipe e Bahia, brigas internas no PMDB entre o Ministério da Saúde e a Funasa, e uma insatisfação generalizada com a falta de eqüidade na liberação das emendas parlamentares inviabilizaram o acordo. No caso do Rio de Janeiro, o prefeito Cesar Maia (PFL) cobra uma posição do Ministério da Fazenda sobre o empréstimo do Bird na área de educação, que estaria bloqueado. Há ainda pendências referentes à liberação de verbas para obras dos Jogos Panamericanos em 2007. Incomodados com as críticas do governo de que a recusa em votar o Orçamento barra os investimentos do país, os oposicionistas iniciaram uma ofensiva para justificar o adiamento da votação. Acusaram o governo de ineficácia e inoperância. "O Orçamento está em fase preliminar. Sequer foi concluído o relatório de reestimativa de receitas", argumentou o líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA). "O Orçamento não é votado por inércia e irresponsabilidade do governo", emendou o líder do PSDB na Câmara, Alberto Goldman (SP). Tucanos e pefelistas alegam ainda que os relatórios parciais não foram concluídos e que o governo desrespeitou o Congresso ao fixar o salário mínimo em R$ 350 sem debates prévios. A oposição alega ainda que a responsabilidade de garantir o quórum na Comissão Mista de Orçamento é do governo. Diante desse quadro, a votação do Orçamento torna-se cada vez mais improvável neste ano, um argumento a mais para que o Congresso funcione no recesso. A auto-convocação (decidida exclusivamente pelo Legislativo) implica, por exemplo, um custo adicional de R$ 50 milhões para a Câmara, sendo cerca de R$ 13 milhões para pagamento dos 513 deputados e R$ 27 milhões para os servidores. O Senado mantém os números em sigilo. O funcionamento do Congresso no recesso transformou-se em razão de confronto entre Renan e Aldo. As declarações do presidente do Senado a favor da convocação - ele disse que o governo pretende "dar férias para a crise" com o recesso - deixaram Aldo numa encruzilhada. Numa análise pragmática, os líderes da Câmara sabem que não haverá quórum para sessões em janeiro e fevereiro, e dificilmente será votado algum projeto relevante. Pouco também adiantará o funcionamento durante o recesso para avanço da tramitação de processos no Conselho de Ética. Restará o desgaste provocado pelo pagamento dos parlamentares nas férias. Tramitam no Conselho de Ética 15 processos de cassação, incluindo ai todos os de parlamentares supostamente envolvidos no escândalo do valerioduto e dos deputados Zulaiê Cobra (PSDB-SP) e Onyx Lorenzoni (PFL-RS). O presidente do Conselho de Ética da Câmara, deputado Ricardo Izar (PTB-SP), afirmou que o Conselho poderá se reunir "informalmente" durante o mês de janeiro caso não haja a convocação extraordinária do Congresso. "Somente com a permissão do deputado representado e dos seus advogados podemos avançar com os trabalhos, sob pena de anulação do processo depois", afirmou Izar. Ele defende o trabalho no recesso para concluir os processos. Izar defendeu a aprovação imediata do projeto de decreto legislativo que acaba com a remuneração extra para a convocação. "Se o Conselho trabalhar durante o recesso teremos oito processos prontos para votação no dia 15 de fevereiro. Se o Conselho não trabalhar, estes oito processos só serão retomados em fevereiro e estarão prontos para votação no fim de março", explicou o deputado paulista. "Não será o fim do mundo se atrasarmos por alguns dias esses processos", defendeu o líder do PSB, Renato Casagrande (ES). Na reunião realizada na manhã de ontem entre líderes da Câmara e do Senado, presidentes de CPIs e integrantes do Conselho de Ética da Câmara, ficou clara a divisão dos partidos sobre a auto-convocação. Na Câmara, posicionaram-se a favor do recesso PSB, PT, PL, PP e P-SOL. Querem a auto-convocação PSDB e PFL. Estão em cima do muro o PPS e o PTB. Para a oposição, a convocação é positiva porque oferece a tribuna diariamente para críticas ao governo. "Queremos as CPIs funcionando e o Congresso aberto. Parlamento é tribuna", definiu o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM). (Com agências noticiosas)