Título: Furlan expressa desânimo do país com a ortodoxia
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2005, Opinião, p. A10

Não se deve colocar na ampla categoria do fogo amigo as críticas feitas pelo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, à paralisia do governo do qual faz parte. Antes que se cometa essa generalização, é preciso lembrar que o ministro não é do PT, não tem ambições políticas e, na formação do ministério do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi escolhido como um representante do setor produtivo - mais especificamente, como alguém da poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Feita a ressalva, é possível vislumbrar nas afirmações de Furlan a inquietação do setor produtivo, que ele representa, com uma política de governo exclusivamente centrada em gestão monetária e fiscal. Ao contrário da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que foi agressiva em suas críticas à equipe econômica, Furlan foi suave, embora claro. Ele afirmou que a "sensação de desânimo" que toma conta do país "está afetando as iniciativas da sociedade e decisões de cidadãos ou empresas". Constatou que a falta de cenário e objetivos por parte do governo, e uma postura de deixar que o mercado defina o caminho, resulta na paralisia que, em última instância, é a causa do desânimo que afeta decisões de investimentos. Furlan não atacou diretamente a combinação explosiva de juros altos e câmbio valorizado, mas constatou que isso resultará num ritmo menor de crescimento das exportações e, o que é pior, numa mudança de perfil da pauta de vendas ao exterior. Este ano, o país atingiu a meta de exportações de US$ 117 milhões, com 56% da pauta de exportações composta por produtos industrializados. No próximo ano, prevê Furlan, haverá queda na exportação de produtos com maior valor agregado e aumento da participação dos produtos agrícolas e de mineração. Isso quer dizer que o câmbio tem inviabilizado a exportação de produtos que demandam mais mão-de-obra, resultando em fechamento de postos de trabalho. Da mesma forma, as altas taxas de juros inibem a demanda interna de produtos industrializados. Nada do que foi dito por Furlan pode ser contestado, nem mesmo pela equipe econômica. Aliás, é possível até juntar as duas pontas de suas críticas - à paralisia do governo e à gestão monetária - e estabelecer relações de causalidade. O ano de 2005, é certo, foi tomado por uma grave crise política, mas é difícil jogar nas suas costas a culpa pela inação da administração pública. Os anos anteriores de governo Lula tiveram pouca coisa diferente em relação a esse. Não foram alinhavados planos estratégicos para viabilizar uma política de crescimento; não foram feitos investimentos que pudessem dar um mínimo de sustentabilidade a um desenvolvimento sustentável. Pode-se atribuir isso a falhas de ministros ou até da própria coordenação de governo, a cargo do próprio presidente da República, mas é inegável que a grande responsabilidade da paralisia foi da ditadura da política monetária, imposta pela equipe econômica. O rigoroso controle sobre os gastos dos ministérios, feito pela mão-de-ferro da equipe econômica, inviabilizou investimentos e a formulação de programas de médio e longo prazos. Os ministros de outras áreas sequer tiveram condições de programar algo além do que estava em andamento. Esta realidade ainda não mudou - e é necessário reconhecer a dificuldade de manter uma administração funcionando sem que ela tenha a possibilidade de uma mínima programação de ações, já que não tem garantias de disponibilidade dos próprios recursos que lhes foram destinados no orçamento aprovado no ano anterior. A política do arrocho fiscal é tão eficiente que torna possível à equipe econômica, sem qualquer declaração pública nesse sentido, fazer enormes superávits, capazes de manter ou reduzir a relação dívida/Produto Interno Bruto (PIB) mesmo numa realidade de juros altos. A inação da equipe de governo, portanto, favorece a ortodoxia da política econômica, e isso, por sua vez, mantém uma gestão monetária baseada unicamente nas taxas de juros. É fácil manter o país em primeiro lugar no ranking mundial de juros, quando se pode acenar para o mercado com uma redução da relação dívida/PIB às custas de dinheiro de investimentos e programas de mais longo alcance.