Título: Honduras ameaça paralisar reunião se Europa não retirar barreiras às bananas
Autor: Sérgio Leo e Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2005, Especial, p. A12

A história ameaça se repetir: o embaixador de um pequeno país, Dacio Castillo, de Honduras, ameaça implodir hoje a reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Hong Kong, como aconteceu em 2003, na cidade mexicana de Cancún. Naquela reunião, um grupo de países pobres, insatisfeito com discussões paralelas, como as distorções no comércio do algodão, determinou o fim abrupto do encontro, que surpreendeu a todos. "O mundo tem de conhecer o que está acontecendo com nosso país e que o sistema multilateral não funciona", afirmou Castillo, para o Valor. Ele ameaça adotar uma "posição extrema", caso a União Européia não acate as reivindicações dos hondurenhos, na reunião que os representantes europeus farão hoje com um grupo de países exportadores de banana da América Central e do Sul. Haverá, também hoje, uma sessão plenária, a pedido de Honduras, para discutir o assunto. No sistema de consenso adotado para as decisões da OMC, mesmo um país de importância marginal no comércio internacional tem o poder de bloquear as negociações em Hong Kong, onde a falta de entendimento em temas importantes já põe em risco a continuidade da reunião dos ministros. O motivo da irritação dos diplomatas hondurenhos é o regime europeu de importação de bananas, que prejudica países das América Central e do Sul (entre eles o Brasil), com barreiras que garantem a preferência para importações da fruta plantada em ex-colônias européias do Caribe, África e Ásia. A briga já dura dez anos e países fortemente dependentes da exportação de banana, como Honduras, ganharam na OMC o direito de derrubar a discriminação européia. A UE permite importação livre de impostos para a banana das ex-colônias e limita as vendas de outros países, sob um regime de cotas. Os países prejudicados contestaram, ganharam em todos os processos e a UE foi obrigada a estabelecer tarifa única para todos os fornecedores, baixa o suficiente para dar acesso aos exportadores latino-americanos. A OMC derrubou duas propostas européias de tarifas - de 230 euros e de 187 euros por tonelada. Após a última derrota, propuseram tarifa de 179 euros, em troca da aprovação da criação de um regime em que a UE daria cotas de importação livre de tarifas para as ex-colônias. A tarifa foi rejeitada por ser considerada alta demais, e os países, entre eles Honduras e Brasil, vão à reunião de hoje com os europeus dispostos a reivindicar 110 euros a 140 euros por tonelada. Honduras exigiu que a banana entrasse na lista de temas da reunião de Hong Kong. Multinacionais do setor acompanham com interesse a discussão. A americana Del Monte já informou ao governo brasileiro que poderá cancelar investimentos no Ceará se não houver solução satisfatória para a disputa. Insinua-se, em Genebra e Hong Kong, que a concorrente Chiquita Brands, com investimentos em Honduras, Panamá e Nicarágua, teria interesse no impasse, para estender por mais tempo o regime de licenças, que a beneficiaria. Castillo vem avisando aos interlocutores que está disposto a provocar a paralisação da reunião de Hong Kong, se os europeus não forem convencidos a ceder. Alguns diplomatas classificam de blefe a ameaça de Castillo, por acreditarem que, ao criar obstáculos para a continuidade da rodada, Honduras poderá ser pressionada pelos governos da Europa e dos EUA, com ameaças de cancelar os atuais sistemas preferenciais de comércio concedidos ao país. "É um risco político em que não creio", garante o diplomata. A UE havia se mostrado disposta a adotar, a partir de janeiro, o regime de tarifa única, com cota de 750 mil toneladas livres de tarifa às ex-colônias. Castillo afirma que, ao contrário do que se afirma em relação à Chiquita Brands, seu país não teria nada a ganhar com a extensão do regime de licenças, porque os produtores do país são obrigados a pagar um adicional de 1,75 euros por tonelada para usar as licenças concedidas pela UE. A banana de Honduras perdeu participação no mercado europeu, de 10% que tinha em 1993, para cerca de 3% hoje, diz o diplomata. (SL e AM)