Título: Procurador estuda barrar venda da Varig
Autor: Daniel Rittner e Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2005, Empresas &, p. B3

Aviação Governo já deu às estatais credoras autonomia para votar contra o plano de reestruturação da dívida

O Ministério Público Estadual do Rio Grande do Sul está preocupado com a venda da empresa de participações da Fundação Ruben Berta (FRB) a Nelson Tanure, da Docas Investimentos, e não descarta a possibilidade de ir à Justiça para barrar a transação. "Precisamos ver a idoneidade empresarial e a forma como está sendo feita a transferência do controle acionário", disse ao Valor o procurador de fundações do MP gaúcho, Antônio Carlos de Avelar Bastos. Uma hipótese cogitada é a entrada de ação cautelar para impedir a alienação de ações da FRB-Par, com vistas a evitar prejuízos para a fundação. Embora a operação com Tanure seja vista com muita cautela pela procuradoria, o MP só decidirá que procedimentos adotar após o recebimento de detalhes da operação. Na própria segunda-feira, o presidente do conselho de curadores da FRB, César Curi, telefonou a Bastos para comunicar a venda da Varig. Nos próximos dias, Curi deverá enviar à procuradoria uma cópia do contrato assinado com Tanure. Para efetivar a operação, é preciso ter o aval do MP, encarregado por lei de zelar pelo patrimônio e pelo interesse de fundações de qualquer natureza. Cabe aos procuradores evitar danos e desvios de recursos dessas entidades, além de avaliar a prestação de contas e gestão dos seus executivos. "Vamos analisar atentamente se a operação não representa nenhum dano ou prejuízo ao patrimônio da fundação", completou Avelar Bastos. Um dos elementos que têm causado estranheza ao procurador é a realização de "sucessivas perícias e auditorias" nas contas da Varig, com o objetivo de auxiliar na reestruturação da empresa. Os gastos com consultorias e escritórios de advocacia também já provocaram a desconfiança de credores federais, que vêem nesse tipo de despesa uma medida administrativa incompatível com os esforços necessários para recuperar a companhia aérea. A compra da Varig por Tanure pôs as estatais em uma situação delicada. O governo já deu às estatais credoras da empresa - Infraero, Banco do Brasil e BR Distribuidora - autonomia para votar contra o plano de reestruturação da dívida, que será apresentado em assembléia no dia 19. Segundo funcionários graduados que participam das negociações com a Varig, a tendência era de recusa do plano. As estatais consideraram "inconsistentes" as premissas da estratégia traçada pela companhia aérea. Os credores federais sabem que a rejeição do plano pode representar um tiro de misericórdia para a Varig, uma vez que abriria caminho para o pedido de falência pelas empresas de leasing de aviões, por exemplo. Pelo menos um dos credores estatais avalia que a situação mudou com a chegada de Tanure. A capitalização anunciada pela Docas dá um fôlego à Varig, mas não garante a recuperação da companhia aérea. Tem um efeito crucial, porém, sobre a opinião pública. Se a intransigência da FRB era vista como a culpada pela eventual falência da Varig, a chegada de Tanure muda a situação. Com fama de homem que assume empresas em dificuldades financeiras para saneá-las com métodos heterodoxos, Tanure tenta vender a imagem de "salvador da pátria" para a Varig, uma das últimas possibilidades de sobrevivência para a companhia aérea - "a outra alternativa é a falência", conforme disse na segunda-feira o braço direito de Tanure, Paulo Marinho. Nesse novo contexto, as estatais consideram que um voto contrário ao plano da Varig na assembléia de credores, por mais justificado que possa ser tecnicamente, transferiria para o governo a responsabilidade pela morte da empresa. O anúncio de venda da FRB-Par para Tanure pegou as estatais de surpresa. O dono da Docas Investimentos já havia demonstrado interesse pela empresa no início do ano, mas criticou a entrada da aérea em recuperação judicial, pela nova Lei de Falências. Paralelamente, Nelson Tanure teceu uma rede de relações políticas cujas teias se estendem por todos os partidos, especialmente aqueles que se encontram na ante-sala do poder. Tanure também é bem relacionado com o Poder Judiciário, em Brasília e nos Estados. O empresário estabeleceu boas relações com o vice-presidente José Alencar e familiares. O vice-presidente, segundo versão corrente no Congresso e no Palácio do Planalto, se empenhou em favor de Tanure na venda da Varig - havia outras propostas sobre a mesa. O argumento de Alencar era nacionalista: com Tanure, a empresa ficaria em mãos de brasileiros. Alguns credores federais apostavam mais na evolução das negociações da Varig com um outro grupo. Segundo esses credores, seriam investidores internacionais que ofereciam US$ 300 milhões pela empresa.