Título: O BNDES reage aos seus críticos
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2005, Brasil, p. A2

Os dirigentes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) costumam perder a calma sempre que alguém lança dúvidas sobre a maneira como o dinheiro da instituição é aplicado. É uma pena. Os críticos do banco em geral são tratados como se fossem parte de uma quadrilha impatriótica formada por fanáticos neoliberais e banqueiros gananciosos. A discussão nunca chega muito longe e termina com tudo no mesmo lugar em que estava antes. Duas manifestações recentes da instituição ajudam a colocar a conversa em outros termos, ao expor com clareza os argumentos do banco para enfrentar os adversários. Ambas examinam uma proposta que vem sendo discutida há tempos no mercado financeiro, a idéia de que seria melhor para o país entregar a administração do dinheiro do BNDES a bancos comerciais do que mantê-la submetida aos interesses do governo. Uma versão detalhada dessa proposta foi apresentada há cerca de sete meses, num artigo preparado pelo economista Persio Arida para uma coletânea organizada pela Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) com o objetivo de difundir sugestões para o aprimoramento do mercado de capitais no país. Arida acha que os bancos poderiam aplicar os recursos do BNDES de forma mais eficiente, escolhendo projetos com maior viabilidade econômica e eliminando constrangimentos que a situação atual cria para o combate à inflação. Os empréstimos do BNDES são feitos com taxas fixadas pelo governo, muito menores que as praticadas no mercado. Como o Banco Central não tem nenhum controle sobre essas taxas, esses empréstimos criam uma oferta de crédito imune à política monetária. Sempre que precisa subir os juros para inibir a demanda e assim conter pressões inflacionárias, o Banco Central tem que aumentar a dose para provocar o efeito desejado. Ao analisar o problema num boletim publicado em novembro pela área de planejamento do BNDES, economistas da instituição chamam atenção para outro lado da questão. Garantindo a oferta de crédito para investimentos de longo prazo mesmo durante períodos em que o BC procura contrair a atividade econômica, a instituição ajudaria a preparar o caminho para quando as nuvens tiverem passado, assumindo um "papel estabilizador" e "complementar" ao da política monetária. Estimativas apresentadas no boletim mostram que no ano passado o BNDES financiou 12% dos investimentos realizados por indústrias e outras empresas do setor produtivo. Sua participação nos investimentos das empresas brasileiras atingiu esse patamar no fim da década passada e se manteve assim desde então. Recursos repassados pela instituição financiaram 14% das compras de máquinas e equipamentos nacionais em 2004.

Proposta de Arida teria vários efeitos colaterais

Muitas empresas não teriam como realizar esses investimentos sem a ajuda do BNDES e sendo obrigadas a aceitar as taxas que os bancos privados cobram habitualmente. Os economistas da instituição lembram que a ausência de crédito de longo prazo no Brasil é uma "deficiência do mercado" e acham que a atuação do banco oficial apenas "corrige uma distorção existente". Sem o BNDES, argumentam, haveria menos investimentos e a economia cresceria menos. Há três aspectos centrais na proposta de Arida. Primeiro, a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), referência para as operações do BNDES, deixaria de ser fixada pelo governo para flutuar de acordo com expectativas do mercado. Segundo, leilões organizados pelo governo permitiriam que bancos privados disputassem com os oficiais o acesso ao dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), origem do capital do BNDES. Por fim, as contribuições do Programa de Integração Social (PIS), hoje a principal fonte de recursos do FAT, seriam eliminadas. Em outro artigo, publicado na edição deste mês da revista do BNDES, o economista Ernani Teixeira Torres Filho, que também é funcionário da instituição, enumera diversos efeitos colaterais indesejáveis que as propostas de Arida poderiam causar. Acabar com o PIS não deixaria apenas o BNDES sem oxigênio. Em pouco tempo, o governo ficaria sem dinheiro para pagar o seguro-desemprego, benefício social que também é financiado pelas contribuições do PIS. O banco precisaria de ajuda de Brasília para fechar seu balanço no azul e talvez se visse obrigado a vender parte das ações que tem na carteira para fazer algum dinheiro, o que poderia deprimir o mercado acionário. O BNDES teve um papel decisivo em várias etapas do desenvolvimento do Brasil e certamente ainda tem funções relevantes para cumprir. Grupos nacionais que cresceram nos últimos anos e avançaram no mercado internacional dificilmente sobreviverão se não tiverem crédito em condições equivalentes às de seus competidores estrangeiros. Mas o BNDES é essencialmente uma muleta que o país usa na falta de coisa melhor, um mercado de capitais privado em condições de financiar a expansão dos negócios como nos países mais desenvolvidos. A capacidade do banco de resolver os problemas do país é limitada, como indica o alto grau de concentração da sua carteira. Mais de 70% dos recursos liberados pelo BNDES no ano passado beneficiaram grandes empresas. Metade dos desembolsos do programa de apoio a exportações beneficiou os clientes de uma delas, a Embraer. Indústrias menores nem sempre são tão bem atendidas e muitas nem se aproximam dos guichês. Algumas empresas nacionais de grande porte já receberam tanto dinheiro do BNDES que têm dificuldade para conseguir mais sem ultrapassar os limites previstos pela legislação. Aumentar o volume de recursos à disposição do banco não parece uma solução muito adequada, ainda mais num ambiente de cintos apertados e restrições fiscais como o atual. Mas isso não significa que fechar o BNDES e entregar seu dinheiro para os bancos privados seja a melhor saída. Como sugere a reação da instituição às propostas de Arida, pode ser que elas contrariem tantos interesses e criem tantos problemas novos que sua implementação se torne completamente inviável.