Título: Impasse em negociação vira troca de acusações
Autor: Sérgio Leo e Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2005, Brasil, p. A4

Relações externas UE não aceita eliminação de subsídios até 2010

A troca de acusações em que se transformou o impasse nas negociações sobre agricultura, na conferência ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), ganhou novos tons ontem, ao se estender, com declarações irritadas, a outros temas levados a Hong Kong pelos negociadores. Banana, algodão e um anunciado "pacote de desenvolvimento", com medidas de ajuda comercial aos países menos desenvolvidos, aumentaram os atritos entre os participantes do encontro. O desentendimento geral, que disseminou por várias delegações a imagem da União Européia (UE) como a vilã da rodada, levou o governo brasileiro a concentrar os esforços na negociação agrícola, para sacar de Hong Kong, pelo menos, um compromisso de todos os participantes com o ano 2010 como data-limite para extinguir todos os subsídios concedidos para a exportação de produtos agrícolas, como previa acordo firmado em julho pelos sócios da OMC. "Não dá para entender a dificuldade em decidir sobre um compromisso assumido de maneira inequívoca", reclamou o ministro do Comércio Exterior da Índia, Kamal Nath. Em reunião que terminou às 3 horas desta quinta-feira, somente UE e Suíça continuaram resistindo a aceitar a data para acabar com esses subsídios. O embaixador dos Estados Unidos na OMC, Peter Allgeier, disse que o governo americano estaria disposto a atender à reivindicação européia de maior controle sobre os créditos oficiais à exportação, que funcionam como subsídios para as vendas externas dos produtores dos EUA. As declarações dos negociadores americanos foram criticadas, porém, por representantes do Congresso americano presentes em Hong Kong e organizações não-governamentais. "Allgeier não pode prometer redução nos subsídios, porque o Congresso já rejeitou iniciativas nesse sentido duas vezes, nos últimos meses", disse ao Valor a consultora do subcomitê do Senado para política comercial internacional, Laura Metune. "Portman e Allgeier não poderiam nem prometer aumento da ajuda aos países pobres, porque dependem de decisões que o Congresso não está disposto a fazer", avalia Lori Wallach, da ONG World Trade Watch. O secretário de Agricultura dos EUA, Mike Joahns, disse que o governo encaminhou propostas ao Congresso para reduzir subsídios ao algodão - condenados pelos árbitros da OMC em processo movido pelo Brasil - , mas a decisão final sobre o tema, afirmou, está além da alçada do Executivo. A demanda de países para acabar com os subsídios que distorcem o mercado internacional do algodão foi outro foco de irritação no segundo dia oficial de reuniões. Os africanos acusaram os subsídios ao algodão, principalmente nos EUA, de provocar perdas de US$ 450 milhões anuais aos produtores dos países pobres. Rob Portman, o principal negociador comercial americano, disse estar atento às dificuldades dos países, mas minimizou o efeito dos subsídios sobre os preços internacionais e afirmou que a remoção dos subsídios não resolverá a falta de competitividade desses países. "Viemos aqui para resultados concretos, não ouvir propostas que nunca serão respeitadas", queixou-se o presidente da Associação dos Produtores Africanos de Algodão, Ibrahim Malloum. A pressão sobre os países desenvolvidos pelo fim dos subsídios, e a preocupação em evitar divisão entre nações pobres e em desenvolvimento, levaram o G-20, grupo liderado por Brasil e Índia, a buscar aproximação com outras associações de países menos desenvolvidos, como o G-33. "Essas articulações se concentrarão na agenda agrícola", afirmou o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, mencionando decisão brasileira de recuar na oferta de corte de 50% nas tarifas industriais. Os países pobres são alvo de propostas dos países desenvolvidos, batizadas de "pacote de desenvolvimento", que incluem anúncio de ajuda financeira e técnica e possível eliminação de cotas e tarifas para importação dos chamados países de menor desenvolvimento relativo, os 49 mais pobres do globo. EUA e Japão são contrários ao acesso livre dos produtos a todos países (argumentam que nações como Bangladesh, por exemplo, são exportadores de grande porte de têxteis). Washington e Tóquio insistem em excluir alguns produtos da iniciativa, e só aceitam o beneficio em bases provisórias, porque uma revisão regular deverá estabelecer quais países poderiam ganhar acesso livre aos mercados mundiais. Os EUA deixam claro também que rejeitam a proposta da UE, de tornar imediato o acesso livre ao comércio para os países pobres, e só aceitam a medida a partir da conclusão da Rodada Doha. Os impasses na rodada preocuparam os representantes das grandes empresas dos países desenvolvidos, que, hoje, pretendem se reunir para elaborar estratégia de pressão em favor do aprofundamento da abertura para produtos industriais e serviços. De olho em mercados, como financeiro, telecomunicações e entregas postais, eles temem o esvaziamento da proposta, aprovada no acordo de julho, que obrigaria os países na OMC a compromissos mais severos de liberalização de serviços para fornecedores estrangeiros. O grupo africano, liderado pela África do Sul, Ilhas Maurício, Nigéria e Quênia, quer diluir essa discussão. As ONGs transformaram o tema em prioridade, e devem promover manifestações contra a liberalização de serviços, hoje, em Hong Kong. No início da noite, representantes dos países latino-americanos produtores de banana, liderados por Honduras, criticaram duramente a ineficácia da OMC em remover medidas discriminatórias impostas ao comércio do produto pela UE. O debate que se seguiu atrasou em pelo menos duas horas a reunião marcada por cerca de 25 dos principais negociadores para tentar resolver os problemas e evitar o fiasco da reunião ministerial. Tentativa frustrada: os ministros reafirmaram as mesmas posições sobre subsídios à exportação, negociação de produtos industriais e o pacote de ajuda aos países pobres, cujos representantes se disseram descontentes.