Título: Golpismo é terrorismo retórico do Executivo, ataca Renan Calheiros
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2005, Política, p. A7

O presidente do Senado, Renan Calheiros, aproveitou o fim dos trabalhos do Legislativo ontem para fazer críticas diretas e cobranças veladas ao Executivo. "Errou o Executivo, e me permitam dizer, ao reagir à crise política apenas com retórica", disse. Ele atacou ainda o "terrorismo retórico" do governo. "A paranóia inventou até um golpismo midiático. A imprensa livre mostrou que não é domesticada", afirmou. Para Renan, o Executivo rifou as reformas tributária e política. "Muitos evocaram fantasmas inexistentes, teses desestabilizadoras, crises institucionais e outras situações sinistras", sentenciou o presidente do Senado. O duro discurso na tribuna foi apontado, pelos próprios senadores, como uma tática política para dissipar parte do impacto negativo da decisão do Congresso de realizar a auto-convocação e determinar o trabalho nos meses de janeiro e fevereiro de 2006, com remuneração adicional de dois salários para cada parlamentar e pagamento extra de servidores. Por outro lado, a crítica explícita de Renan, considerado um aliado do governo, serviu para alertar o Palácio do Planalto que a ala governista do PMDB quer ver algumas promessas cumpridas. A principal delas é a nomeação de Paulo Lustosa, atual presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), para a diretoria da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Renan Calheiros revoltou-se ainda com o PT da Câmara, que não sustentou a convocação extraordinária a despeito do interesse do governo em acelerar o trabalho das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) e do Conselho de Ética da Câmara para que, em 2006, a crise esteja minimamente equacionada. Parlamentares consultados pelo Valor consideram que a posição do PT contra a convocação extraordinária foi uma forma de postergar a votação de processos de cassação de petistas, como o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) e do ex-líder do governo na Casa Professor Luizinho (PT-SP). Na catarse de fim de ano de Renan Calheiros, sobrou até para a equipe econômica. Ao abordar a implantação da comissão mista especial do Congresso para discutir uma política permanente de reajuste do salário mínimo, o senador afirmou que esse tema é "uma hipoteca social que não pode seguir subordinada aos balancetes da ortodoxia da política econômica". Segundo o presidente do Senado, o governo trata a política de juros como uma "febre alta", criando-se a expectativa de que o remédio para a doença será encontrado na véspera de cada reunião do Conselho de Política Monetária (Copom). "O governo tem instrumentos e poderia ousar mais", disse. O funcionamento das CPIs foi uma resposta, segundo Renan, às especulações sobre acordão e pizza. "O dia-a-dia demonstrou que não há vassalagem e que o Legislativo não é projeção do Executivo", concluiu. O senador pemedebista considera que os trabalhos transcorreram com normalidade democrática, derrubando as teses de desfacelamento das instituições. Eleito com apoio significativo do PFL e PSDB para o cargo de presidente, Renan Calheiros enfatizou, mais uma vez, que não exerce, no posto, o papel de líder do governo. "Nem de porta-voz da oposição", pontuou. O presidente do Senado elogiou o comportamento dos líderes partidários na Casa e concluiu que as crises, apesar do desconforto, são pedagógicas porque permitem revisões de práticas e comportamentos políticos. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), rebateu no plenário algumas das críticas de Renan. Disse que a reforma tributária não é votada na Câmara por falta de interesse dos governadores, e que a reforma política foi barrada pelos partidos, e não pelo Executivo. O desabafo de Renan Calheiros foi interpretado, ainda, como uma reação tardia ao desgaste e críticas que sofreu por ter colocado em votação o veto do governo ao reajuste de 15% de servidores do Legislativo. (MLD)