Título: Desconfiança entre governo e oposição contamina pauta
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2005, Política, p. A7

O clima de desconfiança entre oposição e governo e as dificuldades de se construir acordos políticos com a proximidade do ano eleitoral ficaram explícitos ontem na sessão conjunta do Congresso. O governo queria votar 12 créditos suplementares para os ministérios, e a oposição pressionava para apreciação do veto sobre o reajuste dos salários de servidores do Tribunal de Contas da União (TCU). Em meio a sucessivas barganhas e pressões para votar o Orçamento Geral da União, a oposição conseguiu inverter a pauta para votar primeiro o veto. O governo trabalhava para evitar a votação do veto, já que o tema é impopular e havia forte pressão de servidores públicos para derrubá-lo. A briga no plenário estendeu-se, e quase beirou a irracionalidade. O governo, interessado em votar os créditos para garantir investimentos e a ação de ministérios nos últimos dias do ano, recusou-se a apreciar em primeiro lugar o veto. Os partidos da base aliada orientaram as bancadas para obstruir a votação, ou seja, não dar quórum. Com isso, nada seria votado. A oposição, intransigente do outro lado, não aceitou a proposta do líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para a votação alternada de créditos e vetos. Coube ao presidente do Senado, Renan Calheiros, encontrar uma saída inusitada: o veto foi votado ao mesmo tempo que o primeiro crédito. Integrantes do governo admitiram ontem que a avalanche de créditos suplementares no final do ano são fruto da total desorganização orçamentária. Todos os anos, há excesso de arrecadação, dizem os governistas. "Não coincide com a ficção que é a peça orçamentária", reclamou um aliado do governo. A postura da oposição ontem, além das negociações de varejo em torno do orçamento da União, foi um protesto à liberação de verbas por créditos, que se transformou numa rotina de fim de ano. Fato inédito: foram realizadas duas votações, ao mesmo tempo, numa única sessão. A votação do veto ocorre pelo sistema de cédulas de papel, depositadas em urnas. A votação dos créditos foi eletrônica. Ainda assim, o PFL rompeu o acordo negociado com o governo e pediu a verificação do quórum ao longo da votação dos créditos. Ao fim da polêmica sessão, o veto do governo foi mantido e somente cinco créditos apreciados. Os créditos votados somam aproximadamente R$ 1 bilhão, e as verbas foram destinadas a estatais e aos ministérios da Fazenda, Desenvolvimento, Previdência, Saúde, Transportes e Cidades. Hoje foi marcada nova sessão do Congresso na tentativa de se concluir a votação dos sete créditos que estavam na pauta ontem. A intenção dos governistas era incluir na pauta outros oito créditos aprovados na Comissão Mista de Orçamento no fim da tarde. A meta do governo, no entanto, não deve ser concretizada. O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) solicitou ontem em plenário a anulação das votações na Comissão de Orçamento porque havia ordem do dia no Senado. O regimento não permite votações nas comissões quando há ordem do dia no Senado ou na Câmara. O senador Fernando Bezerra (PMDB) fez um alerta sobre o salário mínimo, fez um alerta: "Temos a obrigação de fazer as contas. Não dá para fazer disso uma brincadeira. É uma coisa séria. O salário mínimo, para a iniciativa privada, pouco importa. Isso diz respeito à Previdência e impacto nas prefeituras". Para o líder do governo, muitas prefeituras podem quebrar com o aumento do mínimo e desrespeitar de forma flagrante a Lei de Responsabilidade Fiscal. Para o líder do governo no Senado, Aloízio Mercadante (PT.SP), os problemas de varejo do orçamento, como demandas de Estados e prefeituras, podem ser negociados. O problema real, disse, é adequar as demandas de forma a preservar o ajuste fiscal. (MLD)