Título: Um jeito heterodoxo de ser independente
Autor: César Felício
Fonte: Valor Econômico, 15/12/2005, Política, p. A11

Se o presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, de fato deixar a magistratura para ser candidato a presidente, vice, governador do Rio Grande do Sul ou qualquer outro cargo, estará longe de ser um inovador. O livre trânsito entre o Judiciário e o Executivo no Brasil, criando uma versão tropicalista da "independência e harmonia entre os Poderes", é um fenômeno antigo. Pioneiro foi Epitácio Pessoa, que em 1902 deixou o Ministério da Justiça pelo STF e em 1912 largou o STF pelo Senado, elegendo-se presidente sete anos depois. No regime militar, Leitão de Abreu fez o trajeto Casa Civil/STF/Casa Civil entre os governos Médici, Geisel e Figueiredo. E como esquecer a trajetória de Francisco Rezek? Ministro do Supremo que presidiu a eleição presidencial de 1989, foi escolhido pelo vencedor, Fernando Collor, para ocupar o Ministério das Relações Exteriores e em 1992 nomeado novamente para o STF pelo mesmo presidente, quando outro ministro da Suprema Corte, Célio Borja - aliás presidente da Câmara dos Deputados entre 1975 e 1976 - foi escalado para o Ministério da Justiça. Ressalve-se que Rezek declarou-se impedido em todas as ações contra Collor que o Supremo analisou. Em 1997, largou mais uma vez o STF, desta vez pela Corte Internacional de Haia, cedendo a cadeira para quem? O ministro da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso, Nelson Jobim. Sobram, portanto, exemplos mostrando que estar no STF pode ser apenas uma etapa, e não o coroamento, de uma carreira. As críticas à politização do STF atingiram um pico neste ano, ainda que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva só tenha escolhido magistrados quando pôde indicá-los: Cezar Peluso, Joaquim Barbosa, Eros Grau. É de se imaginar o que ocorrerá na escolha do substituto de Carlos Velloso, em janeiro, se Lula seguir a tradição mantida por todos os dez presidentes da República que o antecederam, a de nomear para o Supremo personalidades que já estiveram no Congresso ou no primeiro escalão do Executivo. O último imune a esta prática foi Jânio Quadros, em 1961, talvez por ter ficado apenas sete meses no cargo. Não é à toa que já tramita no Senado uma proposta de emenda constitucional do senador Jefferson Péres (PDT-AM) para acabar com o arbítrio presidencial na escolha para o STF. Pode-se lembrar que o modelo brasileiro de escolha dos ministros do Supremo é uma cópia aproximada do sistema que existe nos Estados Unidos. Mas a comparação não se sustenta porque o Senado americano é sensivelmente diferente do brasileiro no exercício de suas prerrogativas. Este ano, o presidente George W. Bush teve que rever sua escolha para a Suprema Corte, ao perceber em outubro que sua candidata não entusiasmava nem mesmo os senadores mais conservadores. Buscou fugir do vexame sofrido por Reagan em 1987, quando seu indicado Robert Bork foi rejeitado pela Casa. No Brasil, conforme lembrou reportagem recente da revista eletrônica "Consultor Jurídico", só o segundo presidente republicano, Floriano Peixoto, teve um nome rejeitado para a a cúpula do Judiciário.

Brasil é uma exceção na América Latina

Em um meio mais semelhante com o nacional, o Brasil é uma espécie de exceção. Segundo uma pesquisa publicada pelo Pnud em 2004, constata-se que o Poder Executivo brasileiro é o que tem maior ingerência no processo de escolha dos membros da Suprema Corte em toda a América Latina. Só no Brasil o presidente escolhe livremente o ministro do Judiciário, precisando apenas da maioria absoluta dos votos no Senado para referendá-lo. Na Argentina, o quórum mínimo exigido é de dois terços. Com maioria absoluta do peronismo na Câmara e no Senado, Néstor Kirchner tem que negociar com a oposição e com caciques regionais para conseguir emplacar o nome de preferência. No Brasil, se garantisse o PMDB, Lula teria votos no Senado para nomear quem quiser. No México, o presidente apresenta uma lista ao Senado, que faz a seleção. No Uruguai e na Costa Rica, a escolha é feita totalmente pelo Congresso, sem interferência do Executivo. Na Venezuela de Hugo Chávez, na Bolívia e em El Salvador, o Judiciário elabora uma lista e o Congresso faz a seleção, sem referendo do presidente, que é exigido no Chile e no Paraguai. A escolha é feita totalmente pelo Judiciário no Peru, Colômbia, Equador e República Dominicana. O modelo proposto pelo senador Jefferson Péres é muito próximo do usado na Colômbia. Neste país, o Conselho Superior de Judicatura apresenta uma lista e a Corte Suprema pinça um dos nomes, por maioria absoluta. A emenda de Péres estabelece que os órgãos representativos dos advogados, Ministério Público e magistratura fariam uma lista sêxtupla de nomes, sendo dois para cada corporação, e o Supremo escolheria um, por maioria absoluta, que seria nomeado pelo presidente da República. Ainda que o texto fale em nomeação e não em aprovação, o projeto do senador amazonense abre uma brecha para a crise institucional. E se o presidente se recusar a fazer a nomeação? Não há resposta. A proposta de Péres também não toca em um ponto que poderia aumentar o grau de controle externo sobre a Suprema Corte, que seria a instituição de mandato para o ministro do STF. O modelo existe em doze dos dezoito países latino-americanos. No México, Venezuela e Colômbia, a reeleição é proibida. No Uruguai e Bolívia, existe recondução, depois de um período mínimo do término do mandato decenal. No Paraguai, há uma espécie de estágio probatório de cinco anos. Concluído o tempo, o magistrado pode tentar se reeleger, e, caso consiga, passa a ser vitalício com aposentadoria aos 75 anos. Na Argentina, Chile, Equador, Peru e República Dominicana, o sistema funciona de modo semelhante ao brasileiro.