Título: G-20 tentará tirar pelo menos uma concessão simbólica da UE
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2005, Brasil, p. A6

Sob a liderança do Brasil e da Índia, o G-20 tentará hoje uma ação conjunta na reunião de ministros da Organização Mundial do Comércio (OMC) para isolar a União Européia e forçar o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, a aceitar pelo menos uma concessão simbólica em matéria de derrubada das barreiras agrícolas. Durante o dia, serão divulgadas duas notas assinadas pelo G-20, exigindo maior liberalização dos mercados agrícolas, uma com os grandes exportadores agrícolas reunidos no Grupo de Cairns, e outra com os demais países em desenvolvimento, reunidos em grupos com nomes cabalísticos como o G-90, o G-33 e os ACP. O principal objetivo das duas iniciativas é remover a resistência da União Européia e da Suíça a fixar uma data (de preferência 2010), para acabar com os subsídios atualmente concedidos à exportação, que levam produtos como o açúcar e queijos europeus a competirem deslealmente nos mercados internacionais. "Não tenho autorização nem para aceitar uma data para discutir essa data com vocês", avisou Mandelson aos ministros do G-20, com quem se reuniu ontem à noite. A união entre os diversos grupos de países em desenvolvimento foi saudada pelas organizações governamentais como um fato histórico. "Não é um casamento; pode-se dizer que estamos ficando", corrigiu, bem-humorado, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. É uma relação delicada: o G-33, por exemplo, que reúne países em desenvolvimento protecionistas em agricultura, decidiu ontem reivindicar que, na atual rodada de negociações comerciais, cada país possa manter um nível de proteção mais alto para pelo menos 20% dos itens da pauta de importações de produtos rurais. O Mercosul tem dificuldades de aceitar a exclusão de tantos produtos do esforço de liberalização. As tentativas dos outros negociadores de explorar as divergências nesses grupos (Índia e China, por exemplo, são membros do G-20 e do G-33 ao mesmo tempo) têm sido repelidas com declarações de unidade. Nas notas divulgadas durante esta sexta-feira (que começou, em Hong Kong, dez horas antes do Brasil), os países exigem da União Européia e dos Estados Unidos maiores compromissos com a redução dos subsídios aos agricultores que distorcem a produção e os preços agrícolas e a derrubada das tarifas de importação para produtos rurais. "Os responsáveis por essas distorções têm de enfrentar as difíceis decisões políticas necessárias para avançar a Rodada (de liberalização comercial)", diz a nota do G-20 com o grupo de Cairns. Numa demonstração das dificuldades políticas citadas na nota, a ministra de Comércio exterior da França, Christine Lagarde, e a da Agricultura e Pesca, Dominique Bussereau, divulgaram ontem ter recebido o apoio da maioria dos países membros da União Européia, no Conselho de Assuntos gerais de Relações Exteriores, para endurecer na negociação e não aceitar nem mesmo fixar uma data para acabar com subsídios à exportação enquanto os Estados Unidos não mostrarem como acabarão com programas de ajuda alimentar a países pobres que financiam a produção rural americana e países como Austrália e Canadá não acabarem com as empresas estatais que têm monopólio do comércio exterior e são acusadas de subsidiar também à exportação. A UE têm de ser "pedagógica" com os sócios na OMC e valorizar melhor suas ofertas, disseram as ministras, em um puxão de orelhas pública em Mandelson. Pragmático, o representante comercial dos Estados Unidos, Robert Portman, já falava ontem em marcar uma nova reunião, em março, em Genebra, com alguns dos ministros dos sócios da OMC, para continuar "trabalhando duro" na busca de um acordo ainda em 2006. A proposta brasileira de um encontro de chefes de Estado, até lá, para remover os obstáculos, é algo que pode ajudar, mas deve ser vista como uma "opção", por enquanto, disse ele. A dois dias do término da conferência ministerial da OMC, os violentos manifestantes coreanos que capturaram a atenção das televisões com protestos e confrontos com a polícia mudaram de tática e ontem fizeram um protesto pacífico, no estilo budista, curvando-se em reverências, próximos ao local onde se reúnem os representantes dos 150 países sócios da organização. Dentro do Centro de Convenções, porém, os negociadores trocam palavras cada vez mais agressivas uns contra os outros. "Muita gente gostaria de viver tão bem quanto uma vaca européia", ironizou o ministro de relações Exteriores do Chile, Ignácio Walker, após calcular que o total de subsídios concedidos anualmente pela UE equivale a US$ 2 por dia para cada cabeça de gado na Europa. "Os europeus estão usando uma falácia", acusou o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, ao explicar que a data que se pretende estabelecer para o fim dos subsídios se aplicaria também para as medidas que, na prática, têm efeito de subsidiar as exportações, como os monopólios estatais e a ajuda alimentar americana. Os europeus rejeitaram até a proposta de Amorim para fazer uma menção simbólica à data, no texto final da reunião de Hong Kong. Na falta de avanços, os europeus tentaram voltar as atenções em Hong Kong para medidas dos Estados Unidos capazes de distorcer o comércio, como os programas de ajuda alimentar, pelo qual os EUA compram produtos no mercado americano para doar a nações pobres, tema que provocou novas trocas de acusações entre americanos e europeus.