Título: PIB cresceria mais com um corte maior de tarifas na OMC
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2005, Brasil, p. A6

Relações externas Fórmula dos países ricos afetaria saldo comercial

A proposta dos países ricos para corte das tarifas industriais resultaria em crescimento bem modesto da economia brasileira, mas mesmo assim seria maior do que o obtido se for aceita a oferta do Brasil, que prevê corte menor de tarifas. O Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceria 0,06% pela proposta dos ricos e 0,02% pela oferta que havia sido colocada na mesa informalmente pelo Brasil. A abertura mais agressiva defendida por Estados Unidos e União Européia baixaria os preços ao consumidor no Brasil e aumentaria o investimento, mas provocaria queda do saldo comercial. Essas são as conclusões de um amplo estudo da Fundação Getúlio Vargas, financiado pela GV Pesquisa, e obtido com exclusividade pelo Valor. Apesar de pequenos, os resultados indicam que a liberalização multilateral apenas de bens industriais poderia ser benéfica para a economia brasileira. Os professores da FGV Samir Cury, Sergio Goldbaum, Maria Lúcia Pádua Lima e o consultor associado Allexandro Mori Coelho calcularam os impactos macroeconômicos das negociações de bens industriais da OMC para Brasil, Argentina, China, Estados Unidos e União Européia. Eventuais cortes de tarifas agrícolas não fazem parte do estudo. O estudo da FGV traça três cenários. Para todos, é utilizada a fórmula Suíça, que corta mais as tarifas mais altas e é quase um consenso entre os países da OMC. O cenário mais agressivo utiliza o coeficiente 15, defendido pelos países ricos. O mais protecionista considera o coeficiente 30, proposta que havia sido informalmente apresentada pelo Brasil e que já foi aceita pela indústria nacional. O intermediário trabalha com dois coeficientes, 10 para os países ricos e 20 para os países em desenvolvimento. Segundo a professora Maria Lúcia Pádua Lima, as hipóteses foram baseadas no rascunho do acordo feito pelo diretor-geral da OMC, Pascal Lamy. O levantamento demonstra que quanto maior a abertura da economia, maior é o crescimento do PIB brasileiro, embora as mudanças sejam modestas. De acordo com o professor Samir Cury, é natural que os efeitos sejam pequenos, já que a estrutura dos fatores de produção do país não mudam após a Rodada. Nesse caso, os impactos setoriais são mais expressivos. Também fica evidente que quanto maior a abertura, maior é a deflação. Os preços ao consumidor caem 0,42% no cenário protecionista (coeficiente 30), 0,64% no intermediário (dois coeficientes) e 0,82% no agressivo (coeficiente 15). "Com a queda das tarifas, a importação fica mais barata no mundo todo e há uma queda do preço doméstico", explica Cury. A taxa de investimento também responde aos cortes das tarifas industriais. No cenário mais protecionista, a alta do investimento é de apenas 0,09%. Na hipótese intermediária, sobe 0,39%, e, na mais agressiva, cresce 0,89%. A corrente do comércio cresce 5% se houver um corte expressivo das tarifas industriais brasileiras, só que as importações aumentam 3%, mais do que as exportações, que sobem 2,63%, reduzindo o saldo. Os coeficientes mistos suavizam esse impacto. Resultam em um aumento menor da corrente de comércio, mas exportações e importações crescem idênticos 1,9%. No cenário mais conservador, o Brasil conseguiria até elevar o superávit. Entre os países e regiões analisadas, a China é que mais ganha com a negociação multilateral. O professor Sergio Goldbaum lembra que o PIB do país é o que mais cresce em qualquer hipótese. Na fórmula agressiva, a economia chinesa ganha 0,16% e, na defensiva, 0,11%. Com a abertura da economia, os preços domésticos também tendem a cair na China, aumentando o consumo das famílias, favorecendo a economia. Apesar de ser o chão de fábrica do mundo, a China também terá perdas de saldo da balança comercial em qualquer hipótese de abertura. Na mais agressiva, as exportações crescem 2,5%, e as importações, 3,6%. Esse efeito ocorre porque as tarifas dos países ricos, que compram a maior parte dos produtos chineses, são tradicionalmente mais baixas, porque essas nações reduziram fortemente suas tarifas industriais em rodadas comerciais anteriores a Doha. Os Estados Unidos são o país que mais tende a ganhar em termos de saldo comercial com a queda das tarifas industriais na Rodada Doha, o que pode ajudar a reduzir o seu brutal déficit comercial. Com a abertura dos mercados emergentes, protegidos hoje com tarifas mais altas, os produtos americanos tendem a ganhar competitividade e suas exportações podem aumentar 1,35% na hipótese mais liberalizante, enquanto suas importações sobem 0,88%. Já a União Européia praticamente não ganha nada na rodada. O aumento do PIB é nulo e seu crescimento do comércio tende a ser insignificante. Para Cury, isso ajuda a explicar a falta de interesse dos europeus nas negociações. Ao contrário do Brasil, a Argentina, sócia do país no Mercosul, não tem muito a ganhar com a abertura de produtos industriais na Rodada Doha. O crescimento do PIB é irrelevante e o país perde saldo de balança comercial em qualquer hipótese. As exportações argentinas estão ainda mais concentradas em produtos agrícolas do que o Brasil, o que ajuda a explicar a diferença. Para realizar o estudo, os autores adaptaram um modelo de equilíbrio geral chamado Global Trade Analysis Project (Gtap). As tarifas dos vários países e regiões foram obtidas no banco de dados mantido por OMC, Unctad e o Centro de Estudos Prospectivos de Informações Internacionais, da França. Esse banco de dados inclui os acordos preferenciais de comércio e transforma tarifas específicas e cotas em tarifas ad-valorem. De acordo com o consultor Allexandro Mori Coelho, parte da originalidade do estudo decorre do fato de que são analisadas as reduções das tarifas em termos bilaterais, para posteriormente agregar os resultados. O estudo não considera o fator tempo. São efeitos matemáticos instantâneos da abertura. Com o tempo, a tendência é que esses efeitos sejam maximizados.