Título: Soma de ambições pressiona mudança
Autor: Maria Cristina Fernandes
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2005, Política, p. A11

Os tucanos mudaram de idéia três vezes na última década sobre a duração do mandato de cargos executivos e a possibilidade de reeleição. No primeiro semestre de 1994, durante a revisão constitucional, o PSDB, liderado pelo então senador José Serra, votou pela redução do mandato de cinco para quatro anos e rejeitou a possibilidade de reeleição. O presidente da época era Itamar Franco e o PSDB já estava em franca ascensão para sucedê-lo. Em 1997, o tema voltou à pauta. O PSDB manteve-se a favor do mandato de quatro anos, mas aderiu maciçamente à reeleição. O presidente era Fernando Henrique Cardoso e o PSDB já estava em acelerada campanha para mantê-lo no poder. Nas últimas semanas, o PSDB voltou a tomar a frente do debate. Desta vez, quer mandato de cinco anos sem possibilidade de reeleição. Há oito anos, o prefeito de São Paulo, José Serra, em artigo na 'Folha de S.Paulo' fez veemente defesa da reeleição: "A idéia de que isso (a reeleição) estimularia o 'uso da máquina' e o continuísmo dos governantes é um mito, baseado em duas premissas equivocadas. Primeiro que a taxa de manipulação de eleitores é hoje baixa. Infelizmente não é e não vejo por que seria aumentada com a reeleição. Pelo contrário, a fiscalização da opinião pública em relação ao uso da máquina só tenderá a crescer, pois o processo ficaria mais transparente.... Segundo que será mais difícil para um primeiro mandatário que termina em baixa reeleger-se do que 'fazer' de outro modo o seu sucessor. E se ele terminar em alta, se governou bem, por que não ter a chance de continuar?". À aprovação da reeleição seguiu-se a demissão do superintendente da Zona Franca de Manaus, Mauro Costa, cuja cabeça era reivindicada pelo governador do Amazonas, Amazonino Mendes, um dos mais dedicados à cabala de votos pela emenda constitucional . Hoje secretário de Finanças de Serra, Mauro Costa teve uma gestão considerada moralizadora na Suframa. Sua saída deu-se sob os protestos públicos de Serra, mas estava em jogo o que os tucanos, à época, consideravam um projeto de poder de 20 anos. Agora o prefeito escolheu o programa da apresentadora Hebe Camargo, para anunciar sua mudança de posição. Disse que era preciso ter humildade para corrigir o que não dera certo: "O que acontece hoje é que o sujeito se elege - não só o presidente da República - e fica pensando na reeleição. Só caminha nessa direção. É uma fuga para adiante. Só faz campanha".

Estabilidade em risco já não serve à mudança

Entre uma e outra posição do prefeito tucano, o país abrigou duas disputas com reeleição. Seus resultados tendem a dar mais razão ao Serra de 1997. Nos municípios, onde impera mais fortemente o mito de que a máquina administrativa pesa em favor do governante, dos prefeitos que se recandidataram em 2000, apenas 57% se reelegeram. Em 2004, foram 55%. Nos Estados, em nenhuma das duas disputas, a taxa de reeleição chegou a 50%. Na Presidência da República, a única recandidatura testada implicou em recondução. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, acompanha Serra em sua crença desfeita no mecanismo da reeleição. O terceiro dos tucanos postulantes à Presidência da República, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, mantém-se favorável à permanência do mecanismo. O que mudou de 1997 para cá, na verdade, é que o futuro da estabilidade econômica, motor da reeleição de Fernando Henrique Cardoso, não pode mais ser usado como justificativa para mudanças açodadas nas regras da disputa política do país. Restaram as ambições pessoais dos 64 anos de Serra, dos 53 anos de Alckmin e dos 45 de Aécio. Somadas e submetidas à competição política, essas ambições não cabem nem em vinte anos de poder. Se, como diz o prefeito de São Paulo, o governante hoje age pautado exclusivamente por sua reeleição, os dados mostram que a estratégia fracassa em metade dos casos. Políticos são suficientemente pragmáticos para aprender com suas derrotas. Se os governantes, como diz Serra, já assumem pensando na reeleição, seu breve histórico já demonstra que ter a cabeça nos eleitores talvez seja uma estratégia mais eficiente. Enfrentar eleições sem, sucessivamente, adaptar suas regras às conveniências do momento, é uma atitude que soa mais republicana. Mas desafio mesmo terá Serra, cujo favoritismo em 2006 foi atestado pelas pesquisas da semana, de mostrar que pode ter assumido a prefeitura pensando na Presidência e, ainda assim, merecer o voto do eleitor.