Título: Articulação governista evitou cassação
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 16/12/2005, Política, p. A11

A absolvição do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG), sacramentada no plenário da Câmara na noite de quarta-feira, resultou em diversas manifestações de repúdio de parlamentares contra a decisão dos colegas. Um dos mais irritados, ontem, era Ricardo Izar (PTB-SP), presidente do Conselho de Ética, onde o relatório no qual era pedida a cassação de Queiroz foi aprovado por 12 votos a 2. Para Izar, houve uma "quebra na tradição" na Casa. Izar defendeu a atuação do Conselho de Ética e disse que o colegiado continuará "trabalhando na mesma linha, transparente e independente", sem se intimidar com as pressões internas para a absolvição dos colegas. "A votação foi um escândalo. Ficou evidente a realização de um acordo para salvar o deputado Queiroz", acusou Orlando Fantazzini (PSol-SP). "Seria mais digno que os partidos dissessem: ´Acabou. Ninguém mais vai ser cassado porque caixa 2 é algo normal´", completou o parlamentar. "Lamento pela credibilidade da Câmara. Alguns deputados não perceberam a responsabilidade que tem o plenário ao julgar esses casos", reclamou Chico Alencar (PSol-RJ). Os dois deputados são integrantes do conselho e votaram pela cassação de Queiroz. O ministro petebista Walfrido dos Mares Guia, que atuou a favor do deputado mensalista, disse que "cada caso é um caso e essa votação não constitui um precedente". A análise feita por algumas lideranças influentes na Câmara elenca os fatores que levaram à absolvição de Queiroz, acusado de receber R$ 452 mil do esquema montado pelo empresário Marcos Valério de Souza. O baixo quórum no plenário (432 presentes), um acordão entre PT, PTB, PL e PP e o bom relacionamento do acusado com os colegas conquistaram os 250 votos contra a cassação e apenas 162 a favor. Colaborou também a falta de pressão externa pela punição do deputado. O assunto do dia era a auto-convocação e os custos desse trabalho durante o recesso. "A própria imprensa deu pouco importância à votação durante o dia", analisou o líder do PSB na Câmara, Renato Casagrande (ES). O acordão foi selado ainda na terça-feira, quando deputados dos quatro partidos mais atingidos pelas denúncias de mensalão - PT, PTB, PL e PP - começaram um movimento a favor de Queiroz. Além do trabalho das bancadas, lideranças importantes como Delfim Netto (PMDB-SP) e Francisco Dornelles (PP-RJ) trabalharam pelo petebista, além do ministro do Turismo. O líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), protestou contra o acordo. "A decisão de cassar um colega é de foro íntimo. Eu não oriento a bancada. Sempre falo para os deputados refletirem sozinhos sobre cada caso. Se o acordo virar algo normal, teremos problemas, porque pessoas inocentes poderão ser cassadas por simples acordo da maioria", disse o tucano. O parlamentar pretende propor uma alteração na forma de julgamento de deputados e senadores. "Ainda não sei como poderemos alterar isso para tornar o processo mais isento. Vou conversar com a minha assessoria", afirmou. O presidente do PPS, Roberto Freire (PE), classificou a votação como um "desastre" para a Câmara e para o governo Lula. "A pizza é ruim até para o governo, porque a impunidade, nesse caso, também é a impunidade do governo", afirmou. "A sociedade precisa exigir respeito do parlamento. E o plenário não foi respeitoso com ela. É preciso haver uma reação das pessoas. Meu Deus, Queiroz é um réu confesso!", protestou Freire. O líder do PSB acredita que o próximo parlamentar a ser julgado pode sofrer as conseqüências da pressão da sociedade. "Quem vier agora terá grande chance de ser cassado", disse Casagrande. "Durante o recesso, os deputados vão visitar as bases e perceberão o desastre que foi essa absolvição. A resposta será dada na próxima votação", analisou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Quatro processos estão prontos para serem votados no Conselho de Ética e já se colocam como os próximos a irem ao plenário. Os relatores dos requerimentos contra João Paulo Cunha (PT-SP), Roberto Brant (PFL-MG), Professor Luizinho (PT-SP) e Pedro Corrêa (PP-PE) já terminaram seus trabalhos. Brant não acredita que a absolvição de Queiroz será fundamental para as próximas votações. Mas disse que o resultado da votação "foi um recado do plenário de que os deputados vão saber distinguir um caso do outro, sem haver uma cassação em série". Casagrande concorda. "Se fosse no Judiciário, o caso de Queiroz serviria como jurisprudência. Mas aqui não é assim. Cada caso é diferente e as circunstâncias do dia pesam muito na decisão", afirmou. Na tarde de ontem, o deputado Mauro Passos (PT-SC) anunciou que entrará com uma representação contra o deputado Osvaldo Biolchi (PMDB-RS). Segundo Passos, o parlamentar saiu da cabine de votação com cédulas do "não" (contrárias à cassação) e distribuiu aos colegas. Biolchi não nega o ato, mas o considera normal.