Título: A auto-suficiência em petróleo e seus desafios
Autor: Célia de Gouvêa Franco
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2006, Brasil, p. A2

Motivo de enorme orgulho para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como ele deixou perfeitamente claro em sua entrevista ao programa "Fantástico" da TV Globo do último domingo, a auto-suficiência brasileira em petróleo, prestes a ser alcançada, tem tudo para se transformar em uma bandeira petista - mas também de outros partidos - nas eleições deste ano. À televisão, Lula afirmou que a auto-suficiência vai "consagrar nossos sonhos", lembrando que tinha nove anos durante a campanha "O petróleo é nosso", da década de 50, a favor da Petrobras e do monopólio de exploração e produção de petróleo. É certo que haverá muita disputa entre ex e atuais governantes sobre quem deve ficar com os louros da conquista da auto-suficiência, que obviamente não é apenas deles, mas é natural que assim seja. Há, porém, um risco considerável em se misturar Petrobras com eleições, que seria o de usar a política de preços dos combustíveis da empresa como um instrumento para ganhar eleitores. Esta não é uma situação nova no país e foram muitos os presidentes da República e de estatais que caíram na tentação de segurar artificialmente reajustes de preços para não pressionar a inflação, tendo, mais tarde, que enfrentar pressões redobradas sobre a inflação. Lula tem repetido que não adotará medidas dessa ordem. "Não haverá medida populista, não tomarei nenhuma atitude que signifique 'ah, o presidente está fazendo isso aí por causa da eleição'. Eu vou fazer o que tem que ser feito no Brasil", disse o presidente ao repórter Pedro Bial, do "Fantástico". É cedo para se saber se essas promessas presidenciais se manterão firmes mais perto das eleições. Mas a auto-suficiência em petróleo vai diminuir ainda mais a pressão de eventuais novas altas das cotações internacionais. Para o Brasil, é um feito e tanto passar da categoria de altamente dependente do petróleo importado, como éramos na época das grandes crises mundiais de energia, para uma situação confortável nessa área. É preciso lembrar que, mesmo depois de alcançada a chamada auto-suficiência, o país terá, sim, que continuar comprando derivados de petróleo no exterior, mas apenas por causa das diferenças entre o tipo de óleo produzido no país e as necessidades específicas de consumo. O petróleo brasileiro é considerado pesado e pouco apropriado para a produção de gasolina, por exemplo.

Está mais caro e difícil prospectar novas áreas

Assim, o Brasil compra derivados, mas exporta simultaneamente esses produtos da mesma família e em grandes quantidades. É por isso que, mesmo com o aumento da produção da Petrobras e a proximidade da auto-suficiência, foi muito expressivo o volume de importações e exportações de petróleo e derivados no ano passado. Segundo os dados divulgados ontem pelo ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, o Brasil importou US$ 11,9 bilhões em combustíveis e lubrificantes e exportou US$ 9,1 bilhões em petróleo e derivados - com um déficit, portanto, de U$ 2,8 bilhões. Independentemente do debate político e do seu uso eleitoreiro, a auto-suficiência do Brasil ocorre em um momento muito curioso da produção internacional de petróleo, em que o ponto mais conhecido é a alta volatilidade dos preços nos mercados mundiais - uma propensão que deve permanecer em 2006. Outra tendência firme dos últimos anos é a de as companhias petrolíferas controladas por governos se expandirem além das fronteiras de seus países, tornando-se competidoras diretas das cinco maiores empresas do setor, Exxon Mobil, British Petroleum, Royal Dutch/Shell, ChevronTexaco e Total. Um estudo de três especialistas em petróleo da empresa de consultoria McKinsey lembra que está ficando cada vez mais difícil e caro descobrir novos campos de petróleo e gás que possam substituir as atuais reservas. O acesso a áreas no Oriente Médio (onde estão localizadas metade das reservas conhecidas de petróleo do mundo) se tornou mais complicado e boa parte dos lugares onde podem estar novas reservas de óleo e gás encontram-se em países com alto grau de instabilidade legal e política, como a Nigéria e a Rússia, ou ainda em regiões onde a exploração é tecnicamente desafiante, como o Ártico. A competição por novas fontes de petróleo e gás tornou-se, dessa forma, mais acirrada do que nunca, com grandes operações tocadas por empresas petrolíferas controladas por governos. A China e a Índia estão, por exemplo, investindo maciçamente em prospecção em lugares distantes para eles, como Angola e Venezuela. A Petrobras também segue essa trilha, aproveitando sua experiência na exploração de petróleo em águas profundas.