Título: Cenário ainda favorável para a economia em 2006
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2006, Opinião, p. A8

Mesmo no pior dos cenários, a economia brasileira deve passar pelas eleições presidenciais com um ritmo de crescimento mais forte do que o observado quando as urnas sufragaram Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. As previsões têm-se revelado pouco confiáveis, com erros enormes especialmente quanto ao avanço do Produto Interno Bruto. No entanto, a expectativa mais pessimista aponta para um crescimento em torno de 3% a 3,5%, conforme a média das projeções de uma centena de consultorias e instituições financeiras divulgadas pelo boletim Focus. O Banco Central crava 4% e o governo, por dever de ofício, mais do que isso. No último ano de governo de Fernando Henrique Cardoso, a taxa foi de magro 1,9%. Uma das razões de otimismo, embora moderado, é o recuo dos juros. As taxas elevadas de 2005, com média em torno de 19%, colocaram um poderoso freio na economia e propiciaram o "susto" do recuo de 1,2% do PIB no terceiro trimestre. Em cerca de 12 meses, a elevação dos juros fez com que as atividades produtivas, que apontavam para avanço de cerca de 5% do PIB, fossem desaceleradas para 2,6% - a previsão oficial do BC para o resultado de 2005. Contra as evidências, o BC errou na dose. As indústrias tiveram de reduzir a produção, com estoques mais elevados, enquanto as vendas do comércio continuaram apresentando resultados positivos. A produção industrial seguiu perdendo fôlego em outubro. No trimestre encerrado naquele mês, ela crescia 3,4%, ante os 4,4% do trimestre encerrado em julho. Como as vendas no varejo no fim de ano foram ligeiramente positivas em relação às do ano passado - 4%, segundo dados preliminares da Associação Comercial de São Paulo - a recomposição de estoques deverá favorecer a atividade da indústria no início do ano, e o primeiro trimestre poderá ser uma boa prévia do comportamento da economia no resto do ano. Há boas razões para apostar, como o fazem governo e BC, em seu relatório de inflação, que a recuperação da renda vá mover a economia a uma velocidade maior. A taxa de desemprego média caiu 1,8% em 2005 até outubro, embora venha se mantendo estável há três meses. A massa salarial cresceu 4,8% e o rendimento mensal médio real subiu 1,6% até outubro. Para a indústria, porém, os números são mais fortes. Segundo dados da CNI, a massa salarial real, com o INPC como deflator, avançou 8,8% no período. O aumento do poder de compra está sendo potencializado pela expansão do crédito, que cresceu no total 19,5% no ano passado. E foi ainda maior na faixa dos recursos livres - 25,5%. Inflação e juros cadentes tornarão a oferta de recursos mais atraentes do que o foram em 2005. Não menos relevante deverá ser o aumento do salário mínimo, que o governo Lula quer que seja generoso este ano - para algo entre R$ 340 e R$ 350 - coadjuvado por reajustes prováveis de até 30% para o funcionalismo público. Há apostas duvidosas nestes cenários, embora se preveja um 2006 melhor, em termos gerais. O recuo do PIB no terceiro trimestre mostrou recuo na formação bruta de capital fixo. Os investimentos declinaram, o que se exprime na queda da produção de bens de capital e um decréscimo de 13,8% nas consultas submetidas ao BNDES até novembro - com queda em todos os setores. Para chegar aos 4% de crescimento do PIB neste ano, o BC conta com avanço significativo da rubrica investimentos, de 6,6%, ante 1,3% em 2005. Diante da enorme relutância do BC em acelerar a velocidade de queda dos juros, é discutível que os investimentos deslanchem em 2006. Eles certamente crescerão no setor público, beneficiados por interesses eleitorais, pela decisão de não aceitar nada além de um superávit primário de 4,25% do PIB, pela redução do montante de juros da dívida pública e já pela grande quantidade de restos a pagar liberados no apagar das luzes do ano passado. De novo, não será nenhum "espetáculo do crescimento". A taxa Selic média projetada pelo mercado para 2006 é de 15,9%, muito elevada para que o PIB avance além dos 3,5% a 4%. Salvo uma guinada na política, sempre possível em um governo que prima por divergir de si mesmo, o presidente Lula, quando subir aos palanques para disputar a reeleição, terá números positivos para mostrar - e eles certamente serão melhores que o do governo anterior. Se agir com um mínimo de competência - algo sempre duvidoso -, o governo conseguirá não entregar a bandeira da economia para a oposição. É seu grande trunfo - um dos poucos que pode exibir.