Título: Importação cresce, mas não alcança nível do Plano Real
Autor: Raquel Landim e Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2006, Especial, p. A10

Comércio exterior Participação externa no consumo doméstico nunca mais voltou aos 19,6% de 1997

Apesar da valorização do real, as importações brasileiras não dispararam e estão longe da euforia do auge do Plano Real. As compras externas representaram 16,3% dos bens manufaturados que o país consumiu em 2004. A tendência é que essa participação tenha estabilizado ou até caído em 2005, já que as importações cresceram 17%, abaixo do ritmo esperado. O percentual de 2004 representa um acréscimo em relação a 1999, após o fim da paridade entre real e dólar, quando as compras externas de produtos industrializados responderam por 15,4% do consumo doméstico. Em compensação, é bastante inferior aos 19,6% registrados em 1997, pico das importações no Plano Real, segundo cálculos do economista Fernando Puga, do BNDES. De acordo com o economista André Nassif, também do BNDES, a participação das importações no consumo doméstico reage a três estímulos: valorização cambial, aquecimento da atividade econômica e abertura comercial provocada por queda das tarifas de importação. O Plano Real foi uma combinação desses fatores, o que gerou aumento explosivo das compras externas. Atualmente, o câmbio valorizado é o único estímulo de crescimento das importações. "Os efeitos da abertura dos anos 90 se propagaram e já foram absorvidos", diz Nassif. O real subiu 9,34% frente ao dólar em 2004 e mais 14,15% em 2005. Em compensação, estima-se que a economia tenha crescido apenas 2,5% no ano passado. Entre 1999 e 2004, a taxa média de crescimento do país foi de 2,8%. Ao debelar a inflação e gerar forte crescimento da economia com a âncora cambial, o Plano Real permitiu uma invasão de alimentos e bens de consumo importados nas prateleiras do varejo e automóveis vindos de fora nas ruas das cidades. Em 1996, 9,2% dos alimentos e bebidas consumidos no país vinham do exterior, 11,3% dos tecidos, 14,7% dos calçados e 26% dos automóveis. Já em 2004, os importados representavam 3,8% dos alimentos, 9,2% dos tecidos, 8,3% dos calçados e 16,1% dos carros. O percentual de importados é mais expressivo em setores nos quais o país é pouco competitivo internacionalmente: máquinas e equipamentos, aparelhos e materiais elétricos e material eletrônico e de comunicações. Mesmo assim, os percentuais atuais não superam os de 1996 e 1997. Naquela época, o Brasil importava 41,5% das máquinas e 46,6% do material eletrônico e de comunicações que consumia. Em 2004, as importações chegaram a 30,6% das máquinas e 39,9% do material eletrônico. A euforia do Real produziu fenômenos curiosos. Entre 1996 e 1997, aumentaram em 57,6% as importações de automóveis, 167% as de ônibus, 199% as de helicópteros. O país importou 67% a mais de farinha de trigo no período, 34% a mais de vinhos, 30% a mais de fraldas e 97% a mais de toca-fitas - que ainda ocupavam o lugar dos CDs. Alguns desses produtos eram de qualidade duvidosa, mas ganharam espaço pelo preço baixo e pela crença equivocada da população de que o produto importado era sempre melhor que o nacional. Os varejistas informam que, atualmente, os preços atraentes dos produtos importados devido ao câmbio barato ainda não compensam eventuais dificuldades de assistência técnica ou garantia de fornecimento. A Fnac, rede de lojas que vende de livros a aparelhos eletrônicos, não aumentou o percentual de importados no seu mix de produtos. Eric Blösh, diretor-comercial da empresa, admite que está mais vantajoso comprar alguns produtos lá fora, mas está preocupados com a assistência técnica. "Nosso cliente quer ter garantia e, caso haja algum defeito, quer que o conserto seja feito logo. Como um produto fabricado aqui, esse trâmite é mais rápido", diz. Blösh ressalta que a indústria brasileira tem conseguido preço e qualidade competitivos. O hipermercado Carrefour também informa que não aumentou suas importações em 2005, mesmo com os preços favoráveis. Segundo a assessoria de empresa da rede, o Carrefour não costuma alterar seu mix de compras, pois se vende um produto importado agora e daqui a dois meses ele não é mais encontrado nas prateleiras, são inevitáveis as reclamações dos clientes. Fernando Ribeiro, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), explica que as importações decepcionaram em 2005, porque o fraco desempenho da indústria afetou as compras externas de matérias-primas e bens intermediários. As importações desses produtos, que são basicamente insumos industriais, aumentaram 13,1%. A política de Petrobras de substituição de importações por produção local também afetou as compras externas de combustíveis, que cresceram 16,2%. Essas duas categorias representam cerca de 75% das importações do país. O efeito da valorização do real foi mais expressivo nas importações de bens de consumo. As compras externas de bens de consumo duráveis e não duráveis cresceram, respectivamente, 24,5% e 23,7% no ano passado. Um estudo realizado pelo Programa de Administração de Varejo (Provar) mostra que 37% do crescimento das importações de bens duráveis está atrelada à valorização do real ante o dólar. No caso dos produtos não-duráveis, como alimentos e cosméticos, somente 11% do aumento das compras externas está relacionado ao câmbio favorável. Segundo o coordenador de pesquisas e consultoria do Provar, Nuno Manoel Fouto, a importação de bens com maior valor agregado, como os duráveis, é muito influenciada pela cotação do dólar. "Com um real apreciado, vale muito a pena importar e as empresas aproveitam essa oportunidade", comenta. Já a compra no exterior de alimentos, produtos de limpeza e higiene pessoal não é tão estimulada pelo câmbio. "O crescimento da renda das famílias é o que mais estimula a compra desse tipo de produto importado", explica o professor. Para ele, como a renda ainda não tem subido em grande magnitude, a importação cresce mais no setor de bens duráveis, como eletroeletrônicos. Fouto alerta também que o ritmo de crescimento das importações veio diminuindo ao longo do ano. "Há uma queda média mensal de 4% nas compra de bens não duráveis no mercado externo. Já o recuo nos não duráveis é mais suave, em torno de 0,8% ao mês", diz. O estudo do Provar, realizado com base em dados da Receita Federal, analisou o período de janeiro a outubro do ano passado. As importações de vinho, por exemplo, ficaram estagnadas em 2005, segundo estimativas da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe). Dados da entidade demonstram que, no acumulado de 12 meses até outubro, as compras externas do produto aumentaram apenas 2%. Em 2004, alta havia sido de 15%, estimuladas pelo câmbio, mas também pelo crescimento da economia. Ciro Lilla, presidente da Abrabe e dono da importadora Mistral, explica que o euro forte encarece os vinhos europeus. O dólar barato favorece os vinhos argentinos e chilenos, mas esses produtos já dominam 60% do mercado brasileiro. "As importações de vinho argentino vinham dobrando ano a ano, mas agora estabilizaram", afirma. Ele acredita que o consumo de vinho não cresce no país, porque a renda não deslancha.