Título: Após forte expansão, crédito a pessoa física pode desacelerar
Autor: Janes Rocha e Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2006, Finanças, p. C2

Após anos de estagnação, o crédito atingiu 30,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país até novembro passado, puxado principalmente pelos empréstimos com desconto em folha de pagamentos, que, em apenas um ano, chegaram a representar quase a metade de toda a carteira de crédito às pessoas físicas no sistema financeiro nacional. Segundo dados do Banco Central (BC), os bancos e financeiras tinham R$ 70,6 bilhões emprestados a pessoas físicas no saldo de novembro, 46% mais do que um ano antes. O crédito consignado, que totalizava na mesma data R$ 36 bilhões, cresceu nada menos que 92,5% no ano e 102,6% no período de doze meses (veja tabela ao lado). A Caixa Econômica Federal terminou 2005 com cerca de R$ 5,5 bilhões aplicados em crédito consignado a pessoas físicas. O crescimento foi expressivo em relação a dezembro de 2004, quando o saldo dessas operações estava em R$ 4 bilhões aproximadamente. No ano passado, a carteira de crédito consignado da Caixa cresceu principalmente em função de convênios com órgãos públicos. Para 2006 a estratégia é concentrar esforços na obtenção de acordos com empresas privadas, informa o vice-presidente de crédito da instituição, Francisco Egídio Martins. "É aí que vamos crescer", afirmou. Para enfrentar a concorrência, a Caixa está disposta a praticar para o setor privado taxas e prazos tão "ousados" quanto as definidas para o setor público. Dependendo do tipo de acordo com cada órgão empregador, os juros vão de 1,75% a 2,9% ao mês, com prazos entre 6 e 48 meses. Dos cerca de 17 mil órgãos e empresas que têm acordo com a Caixa para desconto de empréstimos em folha de pagamento, o que responde pelo maior volume é a Previdência Social. O saldo das operações com aposentados e pensionistas do INSS nessa modalidade fechou o ano perto de R$ 2,2 bilhões, 40% do estoque total da respectiva carteira. Nos R$ 3,3 bilhões restantes, as operações com trabalhadores do setor privado representam só 3%, informa Martins. A meta do banco para a carteira de crédito consignado em 2006 é um crescimento entre 30% e 35%, percentuais superiores à média pretendida para o total das operações com pessoas físicas (exceto financiamentos habitacionais), cujo saldo encerrou o ano perto de R$ 9 bilhões, segundo dados ainda preliminares. Aí a meta é crescer entre 20% e 25%. A grande questão agora é se o crédito vai ou não manter esse ritmo de expansão em 2006. Ao divulgar um balanço mensal sobre o tema há duas semanas, o BC apontou que o consignado já estava perdendo a força, ao crescer 2,7%, pouco acima dos 2,4% do crédito livre a empresas e pessoas físicas. Em um relatório divulgado dia 21 de dezembro, no dia seguinte à divulgação das estatísticas do BC, a equipe do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Banco Bradesco também apontava para uma desaceleração do crédito para pessoas físicas. Os economistas do banco se basearam em uma análise em separado da evolução de cada uma das linhas de financiamento às pessoas físicas no mês, no ano e em 12 meses, concluindo que elas estariam "se estabilizando num patamar elevado". O crescimento do estoque de crédito para pessoas físicas aumentou 2,3% em novembro comparado a outubro, taxa inferior à média mensal de 2,8% de janeiro a outubro e 2,7% em 2004. Além disso, apontam os economistas do Bradesco, as modalidades de cheque especial, cartão de crédito e aquisição de bens caíram 1,55%, 5,82% e 0,81%, respectivamente. "A desaceleração do crédito destinado às pessoas físicas seria natural após os dois anos de excepcional crescimento", concluía o relatório do Bradesco, lembrando que "a consolidação de determinadas modalidades de crédito que não existiam anteriormente (consignado) também contribuirá para essa desaceleração". Dulciliam Corrêa Pereira, diretor da Cooperativa de Economia e Credito Mútuo dos Empregados de Furnas e das demais empresas do Sistema Eletrobrás (Cecremef), também não espera a repetição dos expressivos índices de crescimento do crédito para pessoas físicas em 2006. "O nível de endividamento das pessoas está esgotado, pelo menos por aqui", relata Corrêa, falando de um público nada desprezível: a Cecremef atende 8,5 mil funcionários do sistema Eletrobrás. Embora os empréstimos das cooperativas tenham características diferentes em relação aos dos bancos, geralmente com prazos mais longos e taxas mais baixas, a grande procura por crédito também atingiu a Cecremef que, segundo Corrêa, está encerrando o balanço de 2005 com um saldo de empréstimos em carteira da ordem de R$ 41,5 milhões, 48% acima do mesmo resultado de 2004. Para Claudio Ferro, diretor executivo do Banco Schahin, o fato de ter atingido um elevado percentual de participação na economia brasileira não significa que o crédito tenha atingido todo seu potencial e, portanto, ainda tem muito espaço para crescer, principalmente no consignado. Ferro calcula que, do total de 22 milhões de aposentados da Previdência Social - o grande "filão" do mercado em 2005 - , os bancos conseguiram atingir cerca de um terço, ou 7 milhões de pessoas. "Teoricamente teríamos dois terços do mercado a atingir, embora nem todo mundo que é aposentado precisa de crédito", reflete o diretor do Banco Schahin. Por outro lado, diz, todo ano cerca de 100 mil pessoas pedem aposentadoria na Previdência Social, o que aumenta o mercado potencial. "Acho que ainda temos um espaço bom de crescimento porque os índices de endividamento das pessoas físicas no Brasil são muito inferiores aos dos países desenvolvidos", afirma Claudio Ferro. O Banco Schahin encerrou o ano de 2005 com uma carteira de crédito consignado para aposentados de R$ 450 milhões e a expectativa é elevar esse saldo em R$ 300 milhões até o final de 2006.