Título: Penhora on-line e o combate à inadimplência
Autor: Luis Felipe de Freitas Kietzmann e Michelli Lopes
Fonte: Valor Econômico, 03/01/2006, Legislação & Tributos, p. E2

"O instrumento deve ser usado com cautela para se evitar que ele se desvirtue em desfavor dos devedores de boa-fé"

Um novo horizonte parece surgir àqueles que tem crédito no Brasil. A penhora on-line, uma inovação tecnológica que deve menos à legislação que ao seu potencial de tornar efetiva a recuperação do crédito inadimplido, é um mecanismo pouco usado pela comunidade jurídica, especialmente na esfera cível, mas permite aos credores receber o seu crédito com maior rapidez e segurança e garante à sociedade a possibilidade de ver a prestação da tutela jurisdicional pelo estado de direito mais próxima da necessidade de seus tutelados. Juntamente com as inquestionáveis facilidades decorrentes de seu uso, deve-se considerar que a penhora on-line significa apenas uma mudança procedimental na realização da constrição de valores, mas socialmente pode gerar um grande impacto em benefício dos que possuem créditos no país. Por outro lado, não se pode deixar de utilizar o instrumento com cautela, a fim de se evitar que uma prática ferramenta à disposição da Justiça se desvirtue em desfavor dos devedores de boa-fé. Esse novo procedimento de efetivação na recuperação do crédito faz parte do sistema denominado Bacen-Jud, implantado pelo Banco Central do Brasil em 2001 como parte do conjunto de recursos de tecnologia da informação interligados em rede, o Sistema de Informações Banco Central (Sisbacen). Desde então, o Banco Central já firmou convênio com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), Conselho de Justiça Federal (CJF) e Tribunal Superior do Trabalho (TST), permitindo o acesso de juízes federais e estaduais para a consecução de seus fins. Trata-se, em linhas gerais, de um bem-sucedido acordo entre o Banco Central e o Poder Judiciário que permite que todas as solicitações dos juízes para aquela autarquia sejam enviadas diretamente via internet, garantindo agilidade e segurança na troca de informações, além de implicar na redução de custos. Ao invés da demorada expedição de ofício para bloqueio de contas bancárias de devedores, muitas vezes ineficaz por falta de celeridade, pode o Juiz emitir tal ordem diretamente via internet, realizando o que se popularizou como penhora on-line. Diante da agilidade na recuperação de créditos por intermédio desse sistema, a quantidade de solicitações de penhora via internet aumentou substancialmente nos últimos anos. Conforme divulgado pelo próprio Banco Central, o número de ordens judiciais de contrição de valores em instituições financeiras por meio do sistema eletrônico saltou de 500 para mais de 400 mil em apenas três anos, sendo que em 2004 o sistema Bacen-Jud já respondia por 80% do total das ordens de penhora. Apesar dos evidentes benefícios na utilização do sistema, especialmente nas esferas da Justiça fiscal e trabalhista, porém, ainda segundo os dados do Banco Central, a Justiça estadual enviou em 2004 menos de 30% das suas solicitações de penhora pelo sistema do Bacen-Jud, perdendo a possibilidade de dar maior efetividade à recuperação do crédito. Ainda se faz necessária, portanto, a popularização do procedimento pelos juízes estaduais, para possibilitar a efetiva recuperação dos créditos cíveis, notadamente em razão do expressivo número de execuções que acabam frustradas pela dificuldade em se localizar bens de titularidade do devedor passíveis de penhora e suficientes a satisfazer a dívida, além das dificuldades decorrentes de eventuais atos protelatórios e fraudulentos por parte dos devedores de má-fé.

É necessária a popularização do sistema na Justiça estadual, para possibilitar a recuperação de créditos cíveis

Curiosamente, a maioria das críticas que o sistema recebeu não se referiu ao procedimento eletrônico de bloqueio bancário, mas ao suposto fato de que a penhora on-line ofenderia ao princípio da execução pelo meio menos oneroso ao devedor e ao seu sigilo bancário. No entanto, é importante destacar que tais censuras não correspondem à realidade, uma vez que a determinação de bloqueio de valores até o montante do débito é medida judicial plenamente válida, sobretudo na falta de indicação de outros bens pelo devedor, ou na ausência de indicação de uma conta bancária que pudesse satisfazer o crédito, não tendo significado o procedimento eletrônico qualquer alteração no direito constitucional ou processual. Como bem estabelece o artigo 655 do Código de Processo Civil, o dinheiro é a primeira opção na ordem de preferência para a realização de penhora. Assim, o bloqueio eletrônico de valores de titularidade do devedor contribui para a efetivação da modalidade ideal de penhora, sem desrespeitar o direito do devedor de nomear outros bens, desde que comprovada sua idoneidade para garantir o crédito. Não se pode admitir, porém, que o devedor seja prejudicado por excesso de penhora. Na hipótese do magistrado expedir a ordem de bloqueio para todas as instituições financeiras, pode ocorrer que em mais de uma delas ocorra a penhora de valores, de forma que sua soma exceda o montante da dívida. Visando impedir que isso ocorra, o Banco Central disponibilizou a versão Bacen-Jud 2.0 do sistema (atualmente em fase de testes), que permitirá ao juiz a consulta prévia de todas as contas bancárias do devedor, para só então determinar especificamente sobre qual delas recairá o bloqueio, bem como indicar o seu exato valor a ser bloqueado. Com o novo sistema, também, a expectativa é que eventual excesso de penhora seja liberado em até 48 horas, já que as respostas dos bancos acerca dos valores penhorados serão feitos pelo mesmo sistema eletrônico. Enquanto isso não ocorre, entretanto, o próprio devedor pode demonstrar ao magistrado que ocorreu excesso, exigindo a imediata expedição de ordem de desbloqueio via internet, beneficiando-se também o devedor, nessa hipótese, do sistema Bacen-Jud. Fica claro, assim, que a penhora on-line é um importante recurso tecnológico a ser utilizado na recuperação de créditos, contribuindo com a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional executiva. Cabe aos operadores do Direito, portanto, promoverem a sua utilização, bem como a de todos os expedientes legais que contribuam para o combate à inadimplência.