Título: A "blitzkrieg" de Thomaz Bastos
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2005, Brasil, p. A2

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, vê no Poder Judiciário o maior obstáculo para o progresso do país. Suas deficiências, seu isolamento, seu caráter quase imperial, sua autodeterminação, fazem da Justiça um poder inalcançável, que dificulta a modernização do Brasil. "Precisamos trazer o Judiciário para dentro da República", diz Bastos. O ministro chama a atenção para os efeitos danosos da morosidade da Justiça. Parte do diagnóstico está num estudo sobre o tema que acaba de sair do forno. Foi elaborado por Pierpaolo Bottini, secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, e será apresentado por Thomaz Bastos na próxima segunda-feira, em São Paulo, durante o seminário "Aspectos Econômicos da Reforma do Judiciário", promovido pela Faculdade de Economia e Administração da USP e o Ministério da Justiça. "Um Poder Judiciário moroso causa efeitos danosos para a economia nacional. Implica diminuição de investimentos, na restrição ao crédito ou no aumento de seus custos", diz o texto. Os dados são assombrosos. Levantamento feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) mostra que o índice médio de congestionamento de processos na Justiça brasileira é de quase 59,26%. No ano concluído em maio de 2005, contabilizaram-se 6,4 milhões de casos novos, casos pendentes de julgamento e processos sentenciados (em execução) na primeira instância da Justiça Federal. No período, emitiram-se sentenças, acórdãos, decisões e despachos, pondo fim a apenas 1,2 milhão dos casos (18,63% do total). O congestionamento aumenta a duração dos processos. Na primeira instância, as ações levam de 10 a 20 meses para tramitar. Na segunda, de 20 a 40 meses, mesmo prazo das instâncias especiais. A morosidade e a taxa de congestionamento decorrem, segundo o estudo, do elevado grau de litígio existente no país, algo que poderia parecer positivo por refletir o acesso amplo da população à Justiça. Não é isso. "A alta litigiosidade não implica acesso amplo à Justiça, mas no fato de poucas pessoas ou instituições utilizarem demais o Judiciário, enquanto que a maior parte da população está afastada dos mecanismos formais de resolução de litígios. Os Estados com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) maior litigam mais", atesta o estudo. De fato, São Paulo, o Estado mais rico, tem 6,62 habitantes por processo judicial distribuído. Alagoas, um dos mais pobres, tem 62,38. A média nacional é 10,2.

Congresso analisa 26 leis de mudança da Justiça

Um velho drama do capitalismo nacional - a dificuldade de recuperação de crédito - tem na Justiça a sua principal causa. Em estudo feito para o Banco Central, especialistas calcularam que, para recuperar uma dívida de R$ 500 por meio de cobrança extrajudicial simples, o credor gasta R$ 216, ou seja, 43,2% do que tem a receber (veja tabela ). É pequeno o estímulo para correr atrás de devedores. "De fato, da perspectiva do proponente do pleito, que tem um direito a ser ressarcido, só é economicamente viável levá-lo até seu termo caso seja uma causa de alto valor ou se disponha de estrutura jurídica permanente, como no caso das empresas de grande porte. Já do lado da parte ré, é economicamente vantajoso estender o pleito até seu último recurso, pois o valor da sentença não sofre atualização na mesma proporção que o rendimento oferecido por ativos financeiros", explica o documento. A inadimplência bancária, segundo o BC, responde por cerca de 17% do "spread" bancário, sendo que os bancos representam 39% dos credores em execuções judiciais no país. Isso demonstra, diz o texto preparado por Bottini, que há uma relação direta entre a eficiência do sistema de recuperação de crédito e as taxas de juros do mercado. Estudo feito pelo Banco Mundial no Judiciário paulista mostra que 70% dos processos de execução desaparecem no meio do caminho. Uma parte se deve a acordos extrajudiciais ou ao pagamento das ações, mas a maioria é porque o credor não encontra os bens a serem executados e desiste da empreitada. Em muitos casos, a Justiça não consegue encontrar o devedor para fazer a citação. Dos processos que continuam, 41% não conseguem a penhora dos bens por causa da dificuldade em identificá-los. Muitos desses problemas vêm sendo enfrentados, justiça seja feita, pelo atual governo, que, em dezembro de 2004, depois de fazer um pacto com o Congresso e STF, enviou 26 projetos ao Legislativo propondo uma ampla reforma do processo civil, penal e trabalhista. O Conselho Nacional de Justiça é outra novidade interessante. Está aí funcionando para desgosto de boa parcela dos magistrados. O Brasil parece estar sempre em construção, mas o fato é que, em relação ao Judiciário, justifica-se uma "blitzkrieg". Se querem ver melhorado o ambiente de negócios no país, os empresários, em vez de exigir do governo que diminua a taxa de juros por decreto, deveriam fazer campanha pela aprovação dessas leis. Elas atacam as deficiências e procuram tornar a Justiça mais célere e eficiente.