Título: Pronta para explodir
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 09/05/2010, Brasil, p. 10

Dez anos depois do massacre que está sendo julgado desde a semana passada, a penitenciária conhecida como Urso Branco, em Rondônia, mantém os problemas que a transformaram em um dos muitos e péssimos exemplos da situação dos presos em todo o país Passada quase uma década do massacre que só perde para o Carandiru(1) em número de mortos, a Casa de Detenção José Mário Alves, mais conhecida como Urso Branco, em Porto Velho, Rondônia, continua precária. As melhorias que ocorreram no período, por conta das pressões internacionais da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que desde 2002 renova medidas cautelares determinando a preservação da vida e integridade dos internos, resumem-se a uma diminuição ainda insuficiente de presos, banho de sol regular e, muito recentemente, distribuição de colchões para todos os detidos. Falta de médicos, alimentação estragada, um deficit de vagas de 47% e insegurança por parte dos agentes penitenciários fazem do cárcere onde 27 pessoas foram assassinadas durante uma rebelião há mais de oito anos ¿ muitas delas degoladas ¿ um barril de pólvora. Dois dos 16 presos acusados pelos crimes foram condenados, juntos, a quase um milênio na cadeia no fim da última semana. Os julgamentos continuam amanhã com mais dois réus, sob os olhos atentos de uma comissão formada por membros da Secretaria Especial de Direitos Humanos e do Ministério da Justiça. A presença da comitiva do governo federal nas salas refrigeradas onde ocorrem as audiências, porém, não minimiza o clima de insegurança dentro do Urso Branco ¿ atualmente potencializado pela presença ínfima de agentes penitenciários. O secretário-adjunto da Secretaria de Justiça do estado, João Bosco Costa, garante que há 30 homens trabalhando por turno e destaca considerar um número adequado. Advogada da Comissão Justiça e Paz ligada à Arquidiocese de Porto Velho, Cíntia Paganotto, rebate. ¿Ele deve estar enganado. Posso afirmar que são 14 agentes penitenciários e mais seis policiais militares aposentados atuando lá¿, destaca Cíntia.

Estudo e trabalho Nada comparado à época da rebelião, diz ela, quando mais de mil homens ocupavam as cerca de 460 vagas. ¿Hoje são aproximadamente 680 presos no mesmo espaço, ou seja, ainda é superlotação¿, conclui a advogada. Para o procurador regional dos direitos do cidadão em Rondônia, Ercias Rodrigues de Sousa, pontos que parecem detalhes fazem toda a diferença na realidade de uma penitenciária. ¿Na terça-feira passada fui informado de que, finalmente, todos estavam com colchão, feito de um material péssimo, fino. Para o preso, que passa a maior parte do dia deitado, isso é muito importante¿, ressalta. Mesmo sob os holofotes, Urso Branco foi palco de um caso de tortura recente, em agosto de 2009, quando um agente penitenciário atirou em quatro presos que estavam trancados numa cela. O juiz de execução penal Sérgio William Domingues Teixeira faz questão de elencar melhorias, como ausência de mortes desde 2008 e retomada do controle por parte do Estado, mas ressalta que o acesso ao estudo e ao trabalho, condição primordial para a ressocialização, é praticamente nulo. Os julgamentos iniciados na semana passada em relação à rebelião de 2002 no Urso Branco são emblemáticos. ¿Temos uma representação clara do acesso diferenciado à Justiça. Note que os 16 réus são presos, enquanto os três agentes públicos também denunciados por terem contribuído para a chacina recorreram¿, diz. Relator da CPI do Sistema Carcerário, que indiciou autoridades da área em 2008 sem resultado prático até agora, o deputado Domingos Dutra também lamenta a falta de assistência judiciária no país. ¿O problema é que dentro dos presídios só tem pobre, só tem lascado. Por isso os investimentos não chegam. É claro que quem praticou os crimes no Urso Branco deve ser responsabilizado, mas aqueles que deixaram a situação chegar àquele ponto também precisam responder¿, defende. Nos autos do processo sobre a rebelião, que começou porque grupos rivais foram colocados nas mesmas celas, há detalhes sobre como os presos jurados de morte choravam, gritavam e imploravam para não serem levados para junto dos inimigos enquanto eram arrastados.