Título: DEPOIS DE SHARON
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Fonte: Valor Econômico, 07/01/2006, Opinião, p. 6

Com a saída de Ariel Sharon do cenário tornam-se sombrias as perspectivas, já de hábito tão incertas, para a paz no Oriente Médio. Se é verdade que em Israel ele conseguia conter os radicais religiosos, do outro lado perdia e continua a perder força o presidente eleito da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, e crescem em poder os extremistas do Hamas. A violência contínua criou uma situação de verdadeiro caos na Faixa de Gaza, que já torna muito improvável a realização das eleições parlamentares marcadas para o próximo dia 25.

O que parecia estar virtualmente definido era o futuro político de Israel. Nas eleições vindouras para o Knesset (o parlamento israelense) era franco favorito o Kadima, partido recentemente criado por Sharon, que dominava amplamente as pesquisas de opinião. Mas terá o Kadima futuro e eleitores sem esse líder forte como poucos?

Foi uma trajetória singular. O falcão Ariel Sharon lutou em todas as guerras de Israel, bateu-se pelos assentamentos nos territórios ocupados como indispensáveis para a segurança de seu país, adotou a política de demolição de casas de palestinos, confinou seu velho inimigo Yasser Arafat a seu bunker em Ramallah e determinou a construção do ¿muro de segurança¿. Mas numa reviravolta tão inesperada quanto notável, vista como um prenúncio de paz praticamente inédito na região, unilateralmente ordenou a retirada forçosa dos colonos israelenses da Faixa de Gaza e de partes da Cisjordânia.

Pelo seu percurso igualmente beligerante, Arafat parecia ser como que um reflexo de Sharon no espelho, e a animosidade e a intolerância dos dois com razão eram consideradas grande obstáculo à paz ¿ até que, com a morte de Arafat, um novo Sharon começou a emergir.

A retirada dos assentamentos de Gaza não levaria automaticamente a um acordo definitivo de paz; mesmo o processo de traçar as novas fronteiras de Israel ainda não foi sequer esboçado. Mas era, ou parecia ser, um novo começo.

Antes visto como vilão, Ariel Sharon não chegou a mudar sua imagem para a de herói com a tarefa crucial que não pôde completar. E cujo desfecho está agora mergulhado em incerteza.